domingo, 20 de novembro de 2011

O FUTURO DO HOJE E OS ESTUDANTES - Denise Leite (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

Postado por Andreza Morais Alves de Souza

O FUTURO DO HOJE E OS ESTUDANTES
Denise Leite6
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
PROVOCAÇÃO
A futurologia como sabemos, não obstante o suixo logos, não
é uma ciência e sim um campo de estudos sistemáticos, e crítico,
sobre os problemas do futuro7
. A ela se dedicam pesquisadores,
astrólogos, xamãs e... nós, os professores e pesquisadores. Diante
desta assembléia devo confessar: agrada-me fazer exercícios de
futurologia. Isto porque modestamente estou conferindo a mim mesma
aquela autoridade dos velhos professores para olhar prospectivamente;
aquela curiosidade do investigador que está sempre imaginando que
o futuro ainda está para ser descoberto; aquela curiosidade precavida
do navegador que navega com um portulano conhecido. Um pecado,
no entanto, me acompanha: o olhar vem carregado de uma pesada
bagagem acumulada. De tal sorte que ao ler o tema de nosso painel
pensei, deusmeu, outra vez! Emquinze endipes, lá se vãomuitos anos,
ainda discutimos a formação pedagógica do professor universitário!...
Por certo estamos fazendo a nossa educação permanente ao
debatermos os temas da educação. Sem os encontros qualquer
proissão, toda e qualquer atualização de um proissional, deixa de
existir, sucumbe ao peso do crescimento vertiginoso da informação e
do conhecimento disponibilizados aos lotes nas bibliotecas de papel e
nos repositórios digitais.
Neste texto que embasa a minha fala no simpósio, apresento
o assunto da formação do docente para atuar na aula universitária do
futuro. O tema foi tratado dez anos atrás tendo em vista o docente e a
6 Docente Permanente PPGEDU/UFRGS. Pesquisador CNPq. End: Denise.leite@pq.cnpq.br
7 Futurologia, estudo sistemático e crítico dos problemas do futuro, que tem por objetivo não só
prever acontecimentos, mas, principalmente, propor alternativas para uma mudança histórica e
social, preocupando-se em imaginar condições para uma escolha realista. O termo foi utilizado
pela primeira vez por Ossip K. Flechtheim em 1943. (TUDO, 1977, p.571554
sua sala de aula em 2010, portanto hoje. Deduzo das idéias de então
umquadro síntese que eventualmente se aproximaria de uma tentativa
de abordar o tema que me foi proposto. A provocação consiste em
aproveitar o quadro síntese e dele derivar algumas questões sobre
o estudante deste futuro que aconteceu. Que tal pensar sobre o
estudante quando falamos em formação pedagógica do docente?
DEZ ANOS PASSADOS
Há dez anos perguntei aos meus alunos, todos docentes
universitários de então, como seria a aula universitária do futuro. O
futuro em que eu pensava era este onde estamos – ano de 2010. O
quê eles iriam ensinar no ano de 2010? Como iriam ensinar no ano
2010? Como seria a formação pedagógica do docente?8
Imediatamente, uma aluna me disse:
“Eu não sei! A cada semestre que reinicia eu não sei
como fazer.”
Repetí a pergunta aos meus estudantes, todos
professores universitários, como nós. Respondeu outra
aluna:
“Atualmente sou responsável pela disciplina Teoria
eletromagnética aplicada, do Curso de Graduação em
engenharia elétrica. Esta disciplina no campo conceitual
repousa sobre as relações descritas pelas leis deMaxwell
divulgadas em meados do séc. XIX, o Magnetismo
Clássico. Certamente, daqui a dez anos o conteúdo vai
ser o mesmo, pois este conjunto de relações descreve
os campos elétricos e magnéticos de tal forma que até
hoje não foi contestado (verdade física). Além do mais,
estas relações conseguem modelar a realidade com
que operam os Engenheiros eletricistas com bastante
8 Depoimentos escritos Seminário EDP53-PPGEDU/UFRGS maio, 2000 publicados em LEITE,
2001. Ver Referências.555
precisão. De tal forma que permitem projetar novas
máquinas elétricas, enlaces rádio-elétricos e assim por
diante.”
Mais adiante, ela explicava o “como”, justiicando seu
pensamento:
“A inovação nesta área, deve aparecer nas aplicações
estudadas.Por exemplo, há dez anos atrás, se estudavam
os projetos de enlaces rádio-elétricos ionosféricos (rádio
difusão em ondas curtas) e hoje estudam-se os enlaces
em virada direta (telefonia móvel).”
Seria esta a verdade em todas as áreas do conhecimento?
Na época a resposta foi um solene não. Nas ciências matemáticas
efísicas o conhecimento acumulado pela humanidade é essencial
para o avanço do novo. As hard sciences também trabalham com
a incerteza, especialmente ao abordar campos teóricos novos ou
em expansão. Quanto à nossa área de conhecimento, (as soft
sciences?) sugeria-se que teríamos novidades, inovações, talvez nas
aproximações pluridisciplinares e multidisciplinares que faríamos.
O conhecimento acumulado talvez fosse menos importante, não
contaria. Ainal, para quê? Mudar sempre, perseguir outros caminhos,
seria a resposta, frente à incerteza do futuro. De tal sorte que a mesma
questão, vista por outros alunos-professores, dá algumas pistas sobre
a sensibilidade para perceber mudanças:
“Eu não teria a mesma disciplina”, disse a professora da
Pedagogia.
“Haverá grande quantidade de conhecimento, impossível
de ser aprendido”, disse outro docente da Educação...
A certeza de que íamos ter uma quantidade imensa de
informação, muito conhecimento, estava então delineada. E outra
relexão apareceu então, colada à quantidade da informação - sobre as
condições do exercício das proissões no campo social. A professora556
de Ética e Filosoia, por exemplo, airmava que os conteúdos, as
formas de ensinar e as concepções do trabalho acadêmico talvez
não mudassem muito, mas, seriam profundamente inluenciadas pelo
campo social. E, eu acrescentava, seriaminluenciadas profundamente
pelo campo econômico.
Avançando um pouco mais, com as respostas dadas às
“perguntas 2010”, quais eram as características apontadas para o
docente, o aluno e as metodologias empregadas em sala de aula
universitária?
Meus alunos docentes responderam que o professor não iria
mais ser o dono do conhecimento. Eles diziam:
(O professor)“Perde o estatuto de possuidor de
conhecimento passando a orientador.” “Não estará
ensinando, mas, interagindo com outros aprendentes
na construção de conhecimentos; O professor será um
organizador de espaços (ateliê, projeto) e mediador dos
conhecimentos. Ou, dará aulas compartilhadas com
outros docentes”
O professor do futuro, o professor do futuro previsto para hoje,
para o aqui e agora, sintetizando, trabalha comoutros docentes emsala
de aula e é um orientador de aprendizagens de um aluno visto como
bastante autônomo. Não vai encarnar a igura do docente-sabedoria
com respostas ilimitadas a todas às questões. Como organizador
de espaços, ele vai prover tecnologias. Vai ser (e é) também, um
mediador de conhecimentos. Ou seja, parece que, na opinião daqueles
alunos, o docente perderia poder no espaço áulico, passando a ser
um organizador do contexto ensino-aprendizagem. Perguntava: ele se
tornaria um mediador de conhecimentos produzidos por outros? Já
em relação as TIs havia unidade de pensamento. Havia quase uma
unanimidade em torno das novas tecnologias inluindo no ensino.
“As aulas seriam presenciais e não presenciais”; “Com
ênfase nas atividades de pesquisa”; “Educação à557
distância”; “novas tecnologias”; “momentos presenciais,
momentos à distância”; “recursos computacionais
disponíveis”; “valorização de novos espaços de integração
social, de leitura de realidades, junto à população por
ex.” ;” recursos de laboratórios de ensino, ateliês, de
informática, uso de redes, uso de internet e tv”...
Por outro lado, o aluno era representado como alguém que iria
fazer o seu currículo:
(O aluno)“Deine seu currículo em função das
necessidades de mercado.” “O aluno será um gestor
do seu próprio currículo”. “Os currículos serão planos
de estudos organizados pelos grupos.” “Currículo com
áreas transversais, como bioética, espiritualidade e
qualidade de vida e sistema referencial por região.”
Os alunos seriam: “Sujeitos autônomos com suas
competências cognitivas; aqueles que aprendem a aprender,
aprendem a ser, aprendem a conviver.”
De todos os “sonhos inovadores”, colocados no futuro próximo
(no hoje), chamou-me atenção, uma convicção de que “Haverá um
processo crescente de caos (aparente desordem) para uma ordem
estabelecida pelos coletivos”euma “expansão das questões para
camposmais amplos, diferentes linguagens se encontrando, diferentes
processos expressivos”.
Ao descrever a aula do futuro, os professores pensavam que
ela seria uma engenharia pedagógica e o conhecimento iria ser
trabalhado na medida da experimentação, mais aberto, com maior
lexibilidade, a partir da seleção feita por um docente mediador eum
aluno gestor de seus conhecimentos e currículo.558
FORMAÇÃO DO PASSADO PARA A AULA DO FUTURO
Minha pergunta seguinte era se estaríamos nós, docentes do
terceiro milênio, preparados para dar as aulas do futuro com as teorias
do passado? “Formados” para ensinar aos estudantes da próxima
década?
Naquela realidade do passado, muitos dentre os docentes
universitários não possuíam a formação na área educacional
ou pedagógica. Ainda que os docentes fossem contratados em
tempo completo, full time, ou em tempo parcial, encontrávamos
na universidade, tanto proissionais liberais e de distintas áreas de
conhecimento com pós-graduação na sua área de conhecimento ou
em educação quanto proissionais docentes apenas com licenciatura
ou bacharelado, às vezes, com especialização sem a formação
pedagógica para lecionar na universidade. Entre os docentes part
time, alocava-se o maior contingente de proissionais com experiência
na sua área de competência. Em muitos casos, as avaliações desses
docentes, feitas pelos discentes, reconheciam que os professores
universitários sabiam muito de sua matéria de ensino, possuíam
grande experiência proissional, especialmente aqueles vinculados às
proissões liberais. Segundo os estudantes, os docentes ainda “não
sabem ensinar”, “não têm didática.” Entre os docentes-pesquisadores,
full time, estas mesmas queixas, com outras justiicativas, também
podiam ser registradas.
Na década 90 Becker (1994) mostrava que as pedagogias
empregadas em sala de aula continuavam sendo diretivas. O
professor ainda fala e o aluno escuta e copia, ou faz cópia reproduzida
do caderno do aluno do ano anterior, da central de provas armazenada
pelos estudantes veteranos, das apostilas ou livros e capítulos do
professor, quando estes existem. Esta concepção tradicional se
assenta na igura do professor, aquele que ensina porque transmite
um conteúdo que domina e o aluno aprende, porque reproduz na
prova ou no trabalho escrito, aquilo que foi solicitado pelo professor.
Para Becker (1994) ainda estamos diante do empirismo, epistemologia559
que sustenta a doutrina pedagógica diretiva que supõe o aluno como
tabula rasa sobre a qual o docente vai imprimir uma formação, uma
direção educacional. Segundo Becker (1994:90) o professor acredita
nomito da transferência de conhecimento, atémesmo porque foi assim
que ele aprendeu na universidade. “Nessa sala de aula nada de novo
acontece: velhas perguntas são respondidas com velhas respostas.
A certeza do futuro está na reprodução pura e simples do passado”.
Eis o dilema desta sessão – a formação pedagógica do
docente universitário – podemos nós nos intitular: conhecedores?
Apreciadores? Apaixonados pelo tema? Quem pensa que o aluno é
tabula rasa? Quem pensa que o docente tem que ser deixado ao a
priori de suas experiências anteriores e com ele não se deve mexer?
Quem pensa que o docente universitário tem que aprender por ensaio
e erro? Aprender pela experiência, construir conhecimento em sala
de aula de forma laboriosa e parcimoniosa até formar um repositório
complexo que só ele mesmo domina (e que morre com ele mesmo
e com o término de suas aulas)? Quem é ou qual de nós docente
universitário tem o currículo para ensinar a outro docente e formá-lo
pedagógicamente?
Aprender com o passado futurologista – poderia repetir as
perguntas que então iz e transformar esta sessão em um jogo de
perguntas e respostas porque como vocês observam minhas certezas
se foram embora face à repetição da mesma questão neste simpósio.
Havia verdades a considerar nas falas daqueles alunos-professores.
As respostas de então parecem fazer sentido dez anos depois.
Que questões poderiam ser ainda aprendidas desta prospecção
futurologista, nestemomento, quanto ao conhecimento, aos currículos,
ao docente, aos alunos?
No quadro a seguir recapitulo o pensamento dos alunos-
docentes sobre a formação pedagógica do docente universitário.560
Quadro 1 – Síntese: formação pedagógica para o docente de
2010 na visão dos alunos-docentes de 2000
QUANTO AO CONHECIMENTO - experimentação, aproximações:
Conhecimento em aproximações pluridisciplinares e multidisciplinares
Conhecimento acumulado pela humanidade é essencial
Grande quantidade de conhecimento, impossível de ser aprendido
QUANTO AOS CURRÍCULOS- lexíveis:
Os currículos serão planos de estudos organizados pelos grupos.
Currículo com áreas transversais, como bioética, espiritualidade e quali-
dade de vida e sistema referencial por região.
QUANTO AO DOCENTE - mediador:
(O professor)Perde o estatuto de possuidor de conhecimento passando a
orientador.
O professor é um organizador de espaços (ateliê, projeto)
O professor é um mediador dos conhecimentos.
O professor dará aulas compartilhadas com outros docentes
QUANTO AO ALUNO – gestor do seu currículo e do aprender:
(O aluno) Deine seu currículo em função das necessidades de mercado
(Alunos) Aprendem a aprender, aprendem a ser, aprendem a conviver
O aluno será um gestor do seu próprio currículo
(Alunos serão) Sujeitos autônomos em suas competências cognitivas
QUANTO ÀS AULAS – engenharia pedagógica e TI:
Aulas presenciais e não presenciais
Aulas com ênfase nas atividades de pesquisa
Aulas em “Educação à distância”; “com novas tecnologias”; “momentos
presenciais, momentos à distância”
Aulas com “recursos computacionais disponíveis;” ” recursos de laboratóri-
os de ensino, ateliês, de informática, uso de redes, uso de internet e tv”
Aulas com “valorização de novos espaços de integração social, de leitura
de realidades, junto à população por ex.”561
Destaco alguns aspectos para analisar a partir do quadro
síntese. Deixo-me seduzir por um dos aspectos. Faço-o a partir de
pesquisas e idéias que apresentei em outros trabalhos e de pesquisas
eidéias de autores conhecidos sobre nossos alunos,os estudantes9
,
aqueles que a meu ver, menos conhecemos quando falamos em
formação pedagógica do docente universitário. Vou apresentar os
estudantes consumidores, a geração Y e os estudantes aprendizes
de feiticeiro e/ou herdeiros. Haveria que trazer à discussão os novos
estudantes étnicos, os novos incluídos da educação superior e os
estudantes que se envolvem em atividades da comunidade, mas
não haverá espaço nem tempo para tal. Dedico-me, pois, à formação
pedagógica do docente universitário com a atenção ao presente, com
o olhar ao estudante universitário.
PENSAR SOBRE OS ESTUDANTES
Pelo menos três tipos de estudantes estão hoje em nossas
salas de aula: os estudantes-consumidores, os estudantes da geração
Y, os estudantes aprendizes de feiticeiro e/ou herdeiros. Com eles e
para eles realizamos nossa atividade docente.
ESTUDANTES-CONSUMIDORES
A educação superior se diversiicou, a universidade recebeu
estudantes que ainda não conhece bem. As cotas raciais e étnicas
mudaram o peril do estudantado. As pesquisas procuram levantar o
sucesso dos novos estudantes, as medidas de inclusão e seus efeitos.
Não se trata deste tema. Trata-se de uma categoria de estudantes que
vem sendo denominada por duas palavras associadas, ‘estudante-
consumidor’, que até pouco tempo, por exemplo, não apareceriam em
9 Segundo CUNHA, Antonio G., em Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua
Portuguesa. 2ª. Ed. (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982) o termo estudante deriva da palavra
latina studio, estudo, que signiica a aplicação do espírito para aprender, enquanto aluno, vem
do latim alumnus,i, aquele que recebe instrução ou educação. Neste texto emprego os termos
como sinônimos acoplados. Na universidade ensinamos a alunos estudantes, sujeitos que
empregam seu espírito para aprender (ou não).562
uma procura na internet.
10
Encontram-se estudos na Europa e USA, sobre o estudante-
consumidor. Cardoso, Carvalho e Santiago escreveram, em 2007,
From Students to Consumers: relections on marketization of
Portuguese Higher Education. No qual referem a igura do estudante
que procura a universidade a partir das páginas da internet, a partir
das informações que os portais das instituições oferecem.
O tema, estudante-consumidor, seria parte do conhecimento
jurídico, pois, diz respeito a Direitos do Estudante como consumidor.
Compreende questões iduciárias, contratuais e constitucionais. O
termo estudante consumidor pode, também, reportar-se ao Marketing
institucional. Neste caso, o estudante é o objeto do marketing das
instituições, especialmente das IES privadas, em procura de clientes
no mercado (Robertson, 2000; Sharrok, 2000; Morley, 2003; Newson,
2004).
Em 2006 Cidmar Pais, Professor da USP, Brasil, divulgou
pesquisa em que examinou “aspectos dos discursos institucionais
da propaganda e/ou publicidade de Universidades públicas e
privadas, como também de organismos estatais e empresariais,
em que se coniguram processos de articulação, interferência
ou de interpenetração de características daqueles discursos nos
discursos cientíico, tecnológico, pedagógico e das políticas públicas
concernentes à Educação”. Relata o pesquisador que nos discursos
de propaganda analisados o Sujeito-Estudante-Consumidor procura
objetos de valor, tais como a formação ea capacitação proissional,
eum modo do parecer que “justiicariam os esforços em busca dos
estudos superiores e de sua realização, enquanto caminhos para o
sucesso”. Refere que o estudante consumidor, aparece nos textos de
publicidade em um metaconceptus que se deine por ascenção social,
10 Há referencias na internet, por exemplo, sobre medidas de proteção à igura do consumidor
estudante e seus direitos. No Rio Grande do Sul, uma magistrada julgou uma ação dizendo
haver se estabelecido uma relação de consumo, entre estudantes e empresas de computação
igurando aqueles como consumidores e estas como fornecedoras de produtos e serviços.
“Referiu que a responsabilidade das demandadas se dá, conforme estabelecido nos artigos 18
e 20 do Código de Defesa do Consumidor, por vício do produto e do serviço” (Ministério Público
RS. Estudante deverá ser indenizada devido a defeito em computador. Notícia. Porto Alegre:
09/02/2007 - Educação).563
ascenção proissional, status, realização pessoal. Diz Pais (2006, p.
468), que a clareza é contundente:
(...) os mesmos discursos da propaganda e/ou
publicidade institucionais propõem, com clareza por
vezes contundente, que a formação e a capacitação
proissional do Sujeito-Estudante-Consumidor
constituem os caminhos mais rápidos e eicientes (PNa),
para a conquista de um Objeto de valor mais alto, a
empregabilidade, e esta, por seu turno, é a trajetória
‘segura’ para a conquista dos valores agora considerados
principais, a ascensão social, o status, o poder, o prestígio,
Objetos de valor do Programa Narrativo principal do
Sujeito-Estudante-Consumidor.
No ano de 2007 na França se realizou umencontro para estudar
a Universidade e seus mercados. Ao abrigo do tema foram discutidos
o mercado e seus recursos, a transformação dos mecanismos de
inanciamento, o mercado para os Acadêmicos e o Mercado de
recrutamento de Estudantes.Apassagem dos estudantes de herdeiros
a clientes fazia parte do evento no qual se os considerava como atores
do mercado (RESUP, Réseau d’Étude sur l’Enseignement Supérieur,
2007).
Na prática do dia a dia os estudantes, os transindivíduos-estudantes,
se deparam com uma realidade que os transformou de herdeiros em
clientes, de alunos em estudantes consumidores. Tal estudante parece
coniar na propaganda e no status da instituição para reairmar seus
interesses pessoais de prestígio.
Estudante consumidor, aquele que vai ao campus para
obter um diploma e desfrutar as benesses anunciadas
pela propaganda das melhores instituições. As melhores
são aquelas que atraem mais clientes. Seus folders
anunciam salas de aula informatizadas, segurança no
campus (às vezes o campus se localiza dentro de um564
shopping Center), terminais informativos eletrônicos
dentro do campus, Biblioteca funcionando 24 h, lojas as
mais variadas – desde cabeleireiro, “sebo” para livros
usados, papelarias e livrarias até bancos e centros de
condicionamento físico – academias de ginástica, lojas
de roupas e sapatos. As ações de marketing vendem
um produto desejado por uma camada social que busca
ascensão via estudos universitários. Vendem benesses e
facilidades, premiam(comcomputadores, acesso gratuito
à internet etc.) aqueles que indicam novos clientes para
instituição. Nesta hipótese, temos clientes e/ou sujeitos-
estudantes-consumidores, também conhecidos como os
“ilhos da burguesia” que procuram bens imateriais, de
valor, tais como a formação e a capacitação proissional
e um modo de parecer que justiicariam o pagamento
de instituições superiores que abrem caminhos para
o sucesso, ascensão social, ascensão proissional,
status, realização pessoal. Para estes estudantes, o
conhecimento em si não é vantagem competitiva, é um
produto a ser comprado com vistas a encontrar empregos
ou trabalho. Na prática do dia a dia, especialmente das
IES privadas, os estudantes se deparam com uma
realidade que os transformou de herdeiros em clientes
e como clientes sãoatraídos ou não pela propaganda
(LEITE,.D. 2009).
Os estudantes procuram a universidade para sua formação
ética e proissional e para sua inserção no mercado, como sempre
o izeram, claro está. Porém, no agora, de um modo deliberado, eles
são clientes de uma corporação, clientes e consumidores que devem
ser agradados, atraídos por vantagens competitivas. Eles consomem
currículos, de preferência curtos, rápidos e de menor custo, que
ofereçam mais vantagens. Eventualmente não se idelizam a eles.
Trocam, buscam outros. Nem sempre a proissão importa. Estão em565
busca de vantagens pessoais para sua autosatisfação individual.
A geração que está abaixo dos 30 anos e em geral freqüenta a
universidade merece destaque por suas particularidades.
Esta seria a Geração Y?
GERAÇÃOY
Esta seria a geração nativa digital, a geração subjetivada
nas práticas do mercado, porque nasceu entre 1978 e 1988-90. Há
muito alarde nos meios de comunicação sobre uma juventude que
saiu da universidade neste momento, acabou de ser aluno ou ainda
vai entrar e está estudando. Seria uma geração de estudantes que
está sempre plugada, conectada na TI e sobre a qual os mercados
se debruçam no afã de entendê-la, conhecer suas preferências,
em que gasta seu dinheiro, o que compra. Há controvérsias sobre
a existência da categoria. Certo é que as pesquisas de marketing
como a da Bridge Research divulgadas em janeiro de 2010, (http://
www.geradordeconteudo.net/2010/01/pesquisa-da-bridge-research-
desvenda.html Acessada em 06 de fevereiro de 2010), apontam
“Velocidade, liberdade, consumo, individualidade e tecnologia” como
valores primordiais dos jovens. Foram ouvidos na pesquisa 672
jovens de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Para os autores,
“ valorização do jovem e da juventude, além de forte inluência da
cultura do hedonismo estão presentes nos jovens Geração Y, que são
autores da maioria dos blogs e gestores de comunidades nas redes
sociais”.
Sobre a geração consumidora, e daí a igura do estudante-
consumidor, reportagem de ZH (Comportamento, 2010, p 4-5)
pergunta para onde vai a geração Y. Na reportagem há entrevista com
dois estudantes, um da UFSM e outro da UFRGS. Os entrevistados
dizem que tem pressa: fazem faculdade, trabalham, fazem curso de
inglês, estágio, ouvemmúsica enquanto estudamou trabalham, vão ao
barzinho, viajam, fotografam, temdinheiro que guardampara compras,
novas viagens etc., vivem com os pais, não icam sem internet,566
notebook, mp3, TV, celular... Segundo a reportagem que repete os
estudos da Bridge Research, a geração Y tem muita informação e
pouca consciência – 74% dos pesquisados admitiram não saber nada
da crise inanceira mundial. Eles não assumiriam responsabilidade no
sentido de serem descompromissados. Mas, mantém a idelidade a si
próprios. Tem senso de oportunidade, bom relacionamento, ansiedade
e agilidade. Seriam até certo ponto arrogantes, permanentemente
inquietos, supericiais e com vínculos voláteis.
Conhecemos estes jovens?
APRENDIZ DE FEITICEIRO E/OU HERDEIRO
Em1990estudeiosestudantesuniversitárioseseuengajamento
político e social e suas orientações de estudo e aprendizagem. À época
encontrei um tipo de estudantes que segue o mestre, aquele estudante
que procura a BIC e acompanha o professor nas pesquisas. Entendi
que este estudante era um aprendiz que considerava o intelectual-
docente como categoria social a qual ele aspirava pertencer, daí seu
interesse em atuar direto no mesmo espaço do mercado do trabalho
que o docente-pesquisador ocupa na universidade. Descrevia-o como
alguém preocupado com ”a modiicação da universidade vista como
catapulta para a sua posição social e ocupacional; como alguém que
expressava opiniões críticas eivadas de radicalismos; alguém que
gosta de si próprio e aproveita, ‘pega’ o que as pessoas trazem.”
Nos tempos de agora vejo, desde meu lugar na universidade
pública, que esta parece estar a ser usada como algo que pertence
a todos em uma dimensão de que sendo de todos nela se faz o que
se quer depois de vencida a barreira do vestibular. Inclusive, alcançar
uma carreira de prestígio e adquirir status social como acadêmico. Para
isto acontecer, basta acompanhar o pesquisador, o líder de um grupo
de pesquisa, e o aprendiz de feiticeiro terá seus dias contados para
sair “bem” da graduação, vivendo com recursos materiais e simbólicos
que não possuiria caso não estivesse no grupo da pesquisa. Desta
forma, e em sequência, se foi BIC, Bolsista de Iniciação Cientíica, vai567
ingressar nomestrado, doutorado e pós-doutorado, sempre abençoado
por bolsas de estudo governamentais, restaurante universitário e
as benesses do uso de computadores privativos e internet de alta
velocidade. Ao inal do jogo da reprodução será docente universitário
porque seguiu a mesma trajetória da distinção acadêmica. Tem direito
a ela, é seu herdeiro natural.
Conhecemos esta formação pedagógica?
DEDUÇÕES E DERIVAÇÕES
Lembro o texto de Cidmar Pais quando ele levanta a suspeita
da formação do estudante-cidadão neste contexto do consumo, do
individualismo possessivo, da globalização. Ao repensar o plano da
axiologia,namaioriadoscasos,encontra-se “umaconcepçãodemundo
fundada na competição e no sucesso pessoal a qualquer preço, que
se tornou exacerbada na globalização neo-liberal, acarretando graves
prejuízos à formação de uma cidadania responsável e solidária, em
suma, conduzindo a uma forma seríssima de deseducação política.”
(PAIS:2006, p.471)
Neste mesmo evento apresentamos nossa preocupação
de forma deinida no Painel sobre a formação política do estudante
universitário. Sou normalmente uma otimista, impregno meus textos
com o wishfullthought do educador, do pensador da utopia do futuro,
do reformador do mundo, do crítico e engajado. Mas me confesso
preocupada com o dês-formação pedagógica para ensinar, formar
estes estudantes. Ainal eles poderão vir a ser os docentes do futuro...
aqueles com os quais vai se preocupar o endipe XXV!
Os alunos de 2000 acertaram sobre o que hoje fazemos.
Estamos como mediadores do conhecimento, dentro de salas de
aula presenciais e em nossos gabinetes ensinando a distância. O
conhecimento está quase inalcançável tamanha sua vastidão –
quanto mais nos aprofundamos em um tema mais encontramos
referencias para aquele tema. Há milhares de novos pesquisadores568
que foram mais adiante do que aquilo que estamos fazendo. Nossas
pernas parecem não dar conta da corrida pelo saber, da competição
para alcançar o produto certo na hora certa na quantidade exigida
pelo Lattes ou imaginada por nossos colegas avaliadores que nos vão
“dar-doar” a bolsa de pesquisa, o recurso para continuarmos apenas
trabalhando. Apenas investigando... e, ainda ensinamos, adoramos
ensinar, estar na sala de aula.
Quanto aos estudantes, os alunos antevistos na síntese
futurológica, seriam autônomos em suas competências cognitivas,
gestores de seus currículos e saberiam aprender a aprender. Redobro
minhas atenções sobre eles. O que eu sabia sobre o modo como
eles aprendem, sobre suas Orientações de Estudo’ – orientação
para o signiicado, orientação supericial, orientação para reprodução
e orientação para proissionalização – icou como o lastro, a base
para ensiná-los. Ficou também a lembrança de que os estudantes
universitários se consideravam “interessados em aprender” mas “ao
longo do tempo na universidade apenas alguns dentre eles consegue
estabelecer signiicados e reconhecer o conhecimento existente(...).”
Questão ainda não bem respondida mas que está emergindo dos
exames nacionais do Enade quando os resultados apontam índices
maiores de respostas corretas nos primeiros anos dos cursos e
menores nos últimos anos dos mesmos cursos. A suspeita da
desaprendizagemao longo dos anos na universidade continua a existir.
A mudança seria sutil, a mudança poderia estar no desconhecido
peril do estudantado. Este é o meu olhar quando falo em formação
pedagógica do docente. Antes de mais nada, conhecer, o aluno, sem
oba, oba. Algumas ‘conigurações’ ou denominações estão agrupadas
sob o título de estudante consumidor, de estudante proveniente de
uma geração digital que foi marketizada como geração Y e do antigo
e atual estudante aprendiz de feiticeiro, o herdeiro de uma categoria
social, aquele que reproduz a nossa categoria docente ou a nossa
categoria social pesquisador e que vai fazer a universidade do futuro.
Estes breves peris indicam que a força dos ventos que trouxeram
os mercados, os quasi-mercados para dentro das universidades; dos569
ventos que semearam idéias capitalistas hegemônicas baseadas em
uma poderosa globalização do capital; dos ventos conseqüentes que
empurraram as avaliações competitivas e individualistas para dentro
dos sistemas de educação superior. São ventos fortes que inluíram
nas subjetividades dos estudantes, suas famílias e da sociedade. Ao
que penso, estamos comprometidos com estas conigurações.
Observo que compreender hoje os estudantes e suas
culturas signiica adentrar o olhar para sua atividade
ou comportamento individual mais do que para sua
atuação coletiva e política. Os estudantes podem estar
a atuar na realidade sem querer exatamente transformar
a realidade. Destaco o redirecionamento das questões
estudantis para outros pólos de ação que exigem mais
o envolvimento individual ou de pequenos grupos do
que uma participação coletiva. Considero e reforço,
no entanto, que as avaliações consubstanciadas em
exames nacionais, da escola fundamental, ao ensino
médio e à universidade, estão a contribuir para “formatar”
uma subjetivação capitalista do jovem que chega à
universidade. Contribuem para o mesmo propósito os
apelos consumistas do marketing das instituições - 70%
das quais são privadas no Brasil - e a busca pessoal e
intransferível por parte do jovem universitário de uma
ascensão proissional e social a ser obtida na educação
superior através de estímulo aos procedimentos
individuais e produtivistas, apenas (LEITE, 2009).
PS: Em tempo
Emtempo, não fui bolsista BIC. Como disse uma colega quando
saí do concurso para Professor Titular, de braços abertos caminhando
em minha direção pelos corredores da universidade: “De onde tu
saíste e onde tu chegaste!” Pois aqui estou eu no XV Endipe – onde
cheguei eu! – para falar na “Cátedra,” isto é, Simpósio da formação570
pedagógica do professor universitário, sub-tema de ensino superior.
Talvez o meu recado, após reunir laboriosamente algumas peças do
que penso, experiencio e escrevo, seja o mesmo recado que dou a
mim mesma – keep walking! – ainda há muito a pesquisar e entender.
PPS: Urgente!
Qualquer análise que eu faça não dispensa esta – eu amo
estar em sala de aula. Que formação pedagógica é esta que não
me abandona, da qual não me canso? O quadro síntese me ajuda a
ver que aprendi o básico – aprendi a usar as tecnologias, faço aulas
presenciais e a distância, sou orientador e não possuo conhecimentos
armazenados emminha cachola, organizo espaços no site da pesquisa,
arrumo cadeiras na sala de aula, busco o canhão para projetar os
ppts, faço os projetos, faço a mediação entre as referencias da ciência
à qual tenho acesso e aquelas referências que cada novo aluno quer
saber, dou aulas com a Maria Elly, já não sei dar aulas sozinha..., mas,
A cada semestre que reinicia eu não sei como fazer...
Esta apresentação toma por base os seguintes textos da autora
e colegas:
LEITE, D. Aprendizagem e consciência social na
universidade. Porto Alegre: Programa de Pós Graduação em
Educação,UFRGS, 1990.
LEITE, D. Aula universitária do futuro: uma arquitetura
estratégica. In: QUADROS. C. (Org.) Trabalho docente na educação
superior. Santa Maria: Unifra, 2003.
LEITE, D. BRAGA, A et alii. A avaliação institucional e os
desaios da formação docente na universidade pós-moderna. In:
MASETTO, M. (Org). Docência na universidade. 10ª Ed. Campinas:
Papirus, 2009.
REFERÊNCIAS
BECKER,Fernando.Modelospedagógicosemodelosepistemológicos.
Educação e realidade. Porto Alegre: Vol 19, Nº1, Jan-Jun, 1994, p.
89-96.571
CLACSO. 40 anos Grupo de Trabajo Universidad y Sociedad.
Instituto de Estudios Avanzados - IDEA Universidad de Santiago de
Chile. Apresentação: LEITE, D. Mercados, rankings e estudantes
consumidores: escolhas-escolhidas ou O que diriam os colegas
de Córdoba? Sexta Reunião: Santiago, Chile, 16 a 18 de abril de
2007.
LEITE, D., SANTIAGO, R., SARRICO, C., LORÉA LEITE, M C..
POLIDORI, M. Students’ perceptions on the inluence of institutional
evaluation on universities. Assessment & evaluation in Higher
Education. Vol 31, No. 6, December 2006, p. 625-638.
LEITE, D. Educação superior, avaliação e estudantes In: MOROSINI,
M. (Org.). Enciclopédiadeeducação superior para os países de
língua oicial portuguesa. Capítulo X. Porto Alegre: PUCRS, 2009
(no prelo).
MORLEY, L. Reconstructing students as consumers. Quality and
Power in Higher Education. Maidenhead: Open University Press &
SRHE, 2003.
NEWSON, J. A. Disrupting the «student as a consumer» model: the
new emancipatory project. International Relations, v.18, n. 2, p. 227-
239, 2004.
PAIS, Cidmar Teodoro.Propaganda e publicidade nos discursos
institucionais da
educação superior: da cumplicidade Estudos Lingüísticos. São
Paulo: No. XXXV, p. 464-471, 2006.
RESUP. Universities and their markets. First RESUP International
Conference. Sciences, Po, Paris, 1st, 2nd and 3rd February 2007.
Folder.572
ROBERTSON, D. Students as consumers: the individualization of
competitive advantage. In: Peter Scott (Ed.), Higher Education Re-
Formed. London, Falmer Press, 2000.
SHARROCK, G. Why students are not (just) customers (and other
relections on life after George). Journal of Higher Education Policy
and Management, v.22, n. 2, p. 149-164, 2000.
TUDO. Dicionário enciclopédico ilustrado. Verbete Futurologia.São
Paulo: Abril SA, 1977, p.571.
ZH Comportamento. Para onde vai a geração Y? Reportagem de Caio
Cigana. Zero Hora. Porto Alegre, Domingo, 31 de janeiro de 2010,
p.4-5.
WEBNOTES:
Geração Y em: http://www.geradordeconteudo.net/2010/01/pesquisa-
da-bridge-research-desvenda.html Acessada em 06 de fevereiro de
2010.
Ministério Público do Rio Grande do Sul. Estudante deverá ser
indenizada devido a defeito em computador. Notícia. Educação.09
Fevereiro 2007. Disponível em: http://www.mp.rs.gov.br/consumidor/
pgn/id567.htm Último acesso 29 janeiro de 2008.

Nenhum comentário:

Postar um comentário