sábado, 26 de novembro de 2011

FORMAÇÃO DE PROFESSORES ALFABETIZADORES NO BRASIL NO CONTEXTO DA REDE NACIONAL DE FORMAÇÃO CONTINUADA: PRODUÇÃO,APROPRIAÇÕES E EFEITOS

Postado por Vanessa Ferreira Silva
                         Mestranda  em Educação - UNIUBE

XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO
Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais


FORMAÇÃO DE PROFESSORES ALFABETIZADORES NO BRASIL NO CONTEXTO DA REDE NACIONAL DE FORMAÇÃO CONTINUADA: PRODUÇÃO, APROPRIAÇÕES E EFEITOS

Isabel Cristina Alves da Silva Frade
Pesquisadora e coordenadora pedagógica do setor de Formação
Continuada do CEALE e professora da FAE/UFMG



Introdução

As pesquisas sobre o saber docente desenvolvidas por Nóvoa (1992), Perrenoud (1993), Tardif (1991) e Schon(1992), divulgadas no Brasil na década de 90, levaram-nos a questionar os modelos tecnicistas baseados em uma ideia de racionalidade técnica, a partir da qual se pensava que um bom projeto de formação bastava para que se alterassem as práticas.
As teorias colocaram em xeque os modelos transmissivos e apresentaram novos desafios para pensar as pesquisas e as políticas de formação, redirecionando nosso olhar para a questão da identidade profissional dos docentes, seu protagonismo e compromisso com o desenvolvimento profissional, e para os modelos de formação que contemplassem, em sua metodologia, o processo de ação-reflexãoação e o ideal de professor pesquisador. Esses novos paradigmas também nos incentivaram a fazer novas perguntas sobre nossas ações de formação e de pesquisa: quem faz a formação? Onde ela deveria ocorrer? Que conteúdos vão subsidiá-la e como contemplar os diversos saberes docentes na formação? Com quem e como o professor aprende? Quais os limites da formação contínua? Vários pesquisadores vão defender a ideia de que se aprende pela experiência, com os pares, e o lugar preferencial da formação contínua é a escola: locus em que se definem as problemáticas da formação e onde se constrói, de forma articulada, o processo de formação (DINIZ-PEREIRA: 2009:03, GATTI e BARRETO (2009). Para que isso ocorra, são necessárias mudanças nas condições estruturais de trabalho: número adequado de alunos, tempo para discussão garantido na jornada de trabalho, acesso às pesquisas e trabalhos de intervenção na prática, autonomia, salários dignos e uma cultura institucional propícia à formação. Isso joga por terra qualquer proposta que leve em conta apenas a vontade de formação manifestada pelos professores. Afirmamos, também, que a formação contínua não ocorre apenas porque é necessário que os professores tenham acesso aos conhecimentos produzidos nas pesquisas e nem porque a formação continuada visa responder problemas emergentes ou preencher lacunas, no sentido compensatório, mas, pelos desafios que a sala de aula e os próprios fins da educação impõem. Citando Rui Canário, Lelis (2009:03) observa que a incerteza da relação formação e trabalho decorre de fenômenos atuais: a mobilidade profissional, a rápida obsolescência da informação e as rápidas mudanças nas organizações que fazem com que, ao longo de um ciclo profissional, os professores mudem suas qualificações, alterem seu conjunto de competências e funções. Coerente com a ideia da importância dos saberes dos professores nos processos de formação e nos seus desdobramentos, também consideramos a formação como espaço da diversidade. No processo de formação, há sujeitos com histórias de vida e formação, com valores, saberes teóricos e da experiência que constroem expectativas e têm um papel forte nas apropriações. Por outro lado, essas apropriações são determinadas por seu pertencimento institucional, pelas políticas e estruturas existentes nos sistemas de ensino onde atuam.
Nesse sentido, lidar com a formação cultural dos professores é um grande desafio. Na intenção de compreender uma prática cultural dos docentes, buscando revelar aspectos da diversidade, realizamos no CEALE, na década de 90 e início do século XX, uma série de pesquisas sobre as condições que configuram o professor como leitor de textos (FRADE:2006b). Tendo em vista os resultados dessas pesquisas, verificamos o impacto da história da escolarização, das oportunidades de acesso à cultura escrita e dos tipos de leitura profissionais e pessoais que, no caso dos sujeitos das pesquisas, ainda são fortemente condicionados pela configuração profissional.
Assim, não podemos passar ao largo das experiências culturais dos sujeitos professores se desejamos que implementem com seus alunos ações culturais enriquecedoras. Desse modo, ao invés de denunciar precariedades de acesso dos professores a experiências estéticas e éticas de qualidade e que ultrapassem as necessidades apenas profissionais, precisamos contemplar, no processo de formação inicial e continuada, estratégias que favoreçam momentos de fruição de textos literários, a leitura e a discussão de textos acadêmicos, assim como sua produção escrita, ampliando, assim, o repertório cultural dos docentes e sua reflexão crítica sobre a cultura. Dessa mesma forma, não há como eleger conteúdos de formação para professores sem pensar nos processos que constituem o professor como aprendiz: os saberes específicos adquiridos e os saberes produzidos na ação pedagógica. Se não acreditamos no modelo de racionalidade técnica que tem como pressuposto uma hierarquização entre os saberes científicos, os saberes pedagógicos
e as aplicações didáticas, precisamos, então, desconfiar da força dos saberes acadêmicos originados em nossas pesquisas e aprender com os professores a fazer perguntas que vêm de outra direção: a da experiência docente.
Nesse sentido, há outro fator muito importante que precisamos considerar: a pragmática da sala de aula. Refletindo sobre a relação entre a cultura profissional, o modo como produzimos conteúdos para a formação e como abordamos as questões dos professores durante os momentos de formação, convém nos preocuparmos mais especialmente com aspectos da pragmática da sala de aula, entendida como aspecto constitutivo e complexo da prática e não como pragmatismo.

Essa questão é muito bem problematizada por Anne-Marie Chartier (2000,2007), ao discutir o papel dos saberes ordinários do cotidiano, o que nos faz repensar, de forma inovadora, as demandas do professor em processos de formação continuada. Mediante essa perspectiva, aspectos que antes eram tratados de forma preconceituosa nas interações entre universidade e professores, nomeados como “pedido de receita”, emergem hoje como questão fundamental de pesquisa, alterando a maneira como dialogamos com eles. Isso implica considerar sua cultura pedagógica, os ordenamentos a que são submetidas as práticas no cotidiano e a importância dos saberes experienciais. Diante desse conjunto de ações construído pelos docentes e pela cultura profissional, não podemos cometer o equívoco de pensar que os professores criam do nada: eles herdam e constroem uma cultura pedagógica, portanto suas ações e estratégias precisam ser divulgadas no intuito de inspirar outras criações.
Há dispositivos pedagógicos herdados pelos professores que são fortemente enraizados em sua prática porque têm valor pragmático e simbólico para os docentes e a análise sobre efeitos de uma formação se relaciona com nossa compreensão ou nossa incompreensão sobre o papel que cumprem estes dispositivos no cotidiano. Refletindo sobre os efeitos da formação continuada, lidamos com vários tempos, definidos por Jean Hebrárd (2000) como o tempo das idéias, o tempo das políticas e o tempo das práticas. O mesmo autor salienta que essas temporalidades produzem renovações em ritmos distintos, quando consideramos a relação entre saberes produzidos no campo acadêmico, as políticas e possibilidades de apropriação.

Devemos, então, considerar as questões pragmáticas envolvidas no cotidiano da sala de aula e na cultura pedagógica dos professores para pensar o alcance de nossas propostas e para implementar novos tipos de pesquisas (FRADE:2007). Se vamos discutir com eles procedimentos didáticos, temos que saber que a “aplicação” não se faz por uma lógica tão direta, uma vez que os professores procuram sempre fazer adaptações em relação ao contexto e ao tipos de alunos e, por via desta discussão, podemos chegar a reflexões conceituais relevantes, dependendo das interferências que fazemos com os professores nos encontros de formação. Ao discutir atividades de sala de aula, temos fatores complexos a considerar.Não podemos discutir as atividades sem buscar uma explicitação do que está em jogo numa determinada estratégia didática: o que os alunos precisam saber para desenvolver essa atividade? Por que ela se organiza de determinada forma? Que aspectos do aprendizado da língua ela aborda? Essa atividade limita o aprendizado ou realmente contempla a atividade de reflexão do aluno? Essa atividade vem numa sequência de procedimentos? É uma atividade de diagnóstico, de exposição, de síntese ou de aplicação de conhecimentos? Se houver uma alteração no seu rumo, que outros conteúdos ela abarca? Como o professor
pode se preparar para desenvolvê-la? Como os alunos devem se organizar para realizá-la? Como ela se relaciona à proposta cultural da escola em determinado momento do ano? (FRADEa:2006:02)
Por outro lado, em nossas pesquisas, trabalhamos recortes

de processos de ensino-aprendizagem, investigamos e divulgamos

paradigmas que demandam inovações em sala de aula, mas é

necessário reconhecer que a ação pedagógica é composta de

um conjunto mais amplo de experiências ordinárias e regulações

institucionais que definem o trabalho docente. Embora as demandas

e as estratégias de formação possam ser pensadas num âmbito

individual, ou mesmo particular, a formação não se faz de forma isolada

de uma escola, de uma rede e de um sistema nacional de ensino, que

impactam o tipo de apropriação e a forma com avaliamos os projetos

de formação continuada. Melhor dizendo, entre conteúdos e processos

autônomos de formação, pensados por pessoas ou pequenos grupos

e mesmo por escolas, há uma formação que sofre efeitos da regulação

de agências de controle do trabalho docente e dos saberes a serem

adquiridos pelos discentes. É nessa confluência que são produzidas as

negociações. Nesse sentido, a formação contínua dos docentes supõe

reflexão sobre o trabalho e sobre o que determina o trabalho. Isso

também suscita o aprofundamento em pesquisas que acompanhem

impactos de formações no cotidiano na sala de aula para pensarmos

o alcance das políticas na relação com esses ordenamentos. Segundo

revisão de Gatti e Barreto (2009), essa abordagem ainda é bastante

reduzida nas pesquisas brasileiras.

Considerando que os professores aprendem preferencialmente

com seus pares, a partir de suas experiências culturais e profissionais;

que os saberes científicos e pedagógicos por nós produzidos podem

não encontrar correspondência em aplicações imediatas; e que os

modos de aprendizagem dependem de uma pragmática da sala de

aula e de contextos institucionais, trataremos, a seguir, da análise de

algumas experiências oriundas de nossas práticas contemporâneas

de formação continuada voltadas para o ensino inicial da escrita.

É preciso ressaltar que defendemos na continuidade de ações

de formação implementadas em parceria com o MEC/Universidades/

Secretarias de Educação e que acreditamos no impacto positivo

de formações de qualidade, inclusive as que são desenvolvidas no

âmbito de uma Rede Nacional de Formação Continuada, mas isso não

nos impede de pensar nos seus limites. Neste texto, serão tratados

elementos que permitem refletir sobre a natureza de alguns de seus

efeitos e nos problemas que nós, como universidade, precisamos

enfrentar na pesquisa e na produção dessa política.

Rede Nacional de Formação Continuada: o que esse

espaço inaugura?

A partir de direitos estabelecidos na LDBEN/1996, de outras

legislações, de planos decenais de educação, reconhecemos que está

garantido o direito à formação contínua. Tendo em vista a efetivação

desse direito, uma nova concepção sobre o desenvolvimento

profissional dos docentes e a existência de recursos, como o FUNDEB,

têm sido criados vários projetos de formação contínua, tanto pelo

MEC, como por Secretarias de Educação, tais como: PROCAP (SEE/

MG), PEC (SEE/SP), PCNs em Ação (MEC); programas de graduação

para professores em exercício, como o Pro-Formação/MEC e

projeto Veredas (SEE/MG), além de alternativas envolvendo mídias

televisivas e digitais, efetivadas pela criação da TV Escola e do Portal


do Professor (SECAD). Especialmente no campo da alfabetização,

destaca-se como iniciativa do MEC o projeto PROFA, implementado

em 2001. Vários desses projetos são analisados por Bernardete Gatti

(2008,2009). Enumerar essas ações, como salienta a autora, é difícil,

sendo possível apenas trabalhar com indicadores mais amplos para

pensar o alcance e a qualidade de nossos trabalhos.

Esse conjunto de ações indica que não podemos mais

denunciar a baixa oferta de formação contínua pelos órgãos oficiais,

nem constatar que há uma única alternativa: há ações regulares e

sistemáticas, alternativas de educação a distância e presencial,

formações realizadas no âmbito das escolas e fora delas, atingindo

professores leigos e com formação superior. Há, também, ações de

curta e média duração, que envolvem desde cursos de atualização até

pós-graduação, e recursos a diferentes linguagens e mídias impressas,

televisivas e digitais.

Embora constatemos uma série de iniciativas sistemáticas,

em 2005 houve uma preocupação do MEC em implementar um

programa nacional de formação continuada, criando a Rede Nacional

de Formação Continuada de Professores da Educação Básica.

Essa grande Rede integra Centros de Pesquisa de universidades

brasileiras e tem, desde a sua criação, o objetivo de, sistemática e

continuamente, garantir ao professor o direito profissional à formação.

Essa política indica o reconhecimento de que a formação contínua faz

parte da cultura profissional brasileira, integra cada vez mais a cultura

educacional das escolas e secretarias de educação, demandando

ações permanentes.

Essa iniciativa do MEC instituiu o credenciamento de vários

centros de formação, ligados a universidades, que se inscreveram,

por meio de edital público, em várias áreas de conhecimento. Essa

ação fomentou mais ainda o desafio de unir pesquisa e extensão, de

estabelecer novas competências nas universidades, para a produção

de materiais. Instaurou-se, assim, por meio dessa proposta, não apenas

mais uma iniciativa voltada para a “capacitação” de professores, mas

uma nova perspectiva de formação a ser pensada pelas universidadese de forma compartilhada e orgânica.

A produção sobre leitura e escrita destinada a professores em

exercício e os crivos apresentados pelos docentes

No âmbito da Rede Nacional de Formação Continuada, o

CEALE (Centro de Alfabetização, leitura e escrita da FAE/UFMG) tem

trabalhado de forma mais sistemática com a produção de material de

divulgação científica para a formação inicial e continuada de professores

nas áreas de alfabetização e letramento. A produção de textos de

divulgação para a formação de professores por pesquisadores de várias

áreas tem sido um desafio, uma vez que produzir para docentes em

exercício não é apenas pensar uma transposição de um conhecimento

científico para um conhecimento pedagógico. Significa muito mais

do que isso; é pensar em questões epistemológicas, nos problemas

que os professores enfrentam, no seu modo de pensar, nos seus

repertórios. Isso nos obriga a adquirir e a desenvolver competências

específicas para escrever para esse interlocutor. Ressalta-se, então,

que as políticas de formação têm efeitos nas nossas próprias operações

discursivas, o que nos leva a uma questão de pesquisa: como isso tem

refletido nos nossos textos acadêmicos e de divulgação?

Embora esse tipo de produção seja menos valorizado do ponto

de vista acadêmico, temos conseguido criar competências, legitimar

e fazer valer o peso desse tipo de texto nos programas de pósgraduação

e na produção intelectual. Ao produzir textos específicos

para professores em exercício, não fazemos uma “concessão” aos

professores e sistemas de ensino, mas exercitamos novos olhares e

saberes, para verificar até que ponto somos capazes de dialogar com

sujeitos e processos sobre os quais discursamos e pesquisamos.

Mas produzir esses materiais projetando necessidades dos

professores pode parecer um contra-senso, tendo em vista que

os conteúdos da formação devem ser escolhidos mediante cada

demanda. Nossa produção, então, revela certos limites e o que

fazemos é antecipar possíveis demandas e partilhar a produção com

os professores, no momento mesmo em que finalizamos os textos.

Nesse percurso da Rede, o CEALE escolheu dois caminhos e os

conteúdos eleitos foram decorrentes dessa opção. Além das iniciativas

de um portal e do Jornal Letra A, complementares da formação, há

duas coleções impressas que organizam os cursos: Instrumentos de

alfabetização e Alfabetização e Letramento. Há, ainda, uma terceira

produção denominada Pro-letramento, que é o resultado de uma

edição conjunta, contendo textos dos cinco centros de formação da

área de alfabetização.

A coleção Instrumentos de Alfabetização é composta de

07 volumes e teve sua origem numa demanda específica: como

organizar a alfabetização e as atividades de letramento no contexto

do Ensino Fundamental de 09 anos? Em função dessa indagação,

foram desdobradas outras: que capacidades estariam envolvidas

nos primeiros anos? Como realizar um diagnóstico processual da

alfabetização? Que fatores facilitam uma organização do ciclo inicial

de alfabetização? O que seriam boas atividades de ensino?

Pensada inicialmente para contribuir na política de implementação

do Ensino Fundamental de 09 anos da SEE/MG e recomposta a partir

do diálogo com leitores professores de Minas Gerais, a coleção foi

reformulada, acrescida de alguns volumes, e visou responder ao

desafio de fornecer instrumentos para a prática. Dessa forma, se seu

formato e sua abordagem buscaram atingir demandas históricas dos

professores em projetos de formação continuada, pode-se caracterizar

a coleção como baseada em paradigmas atuais do ensino da língua,

mas existe uma associação clara entre seu conteúdo e uma reforma

estrutural do ensino, que pode ter repercussões diferentes nos modos

de recepção dos professores e das redes. Seus efeitos seriam mais

duráveis, mediante essa associação, ou menos perenes, tendo em

vista as oscilações nas políticas de educação e as representações

sobre as reformas?

A segunda coleção, Alfabetização e Letramento, composta de

18 volumes, foi concebida para aprofundamento teórico em diferentes

temas, para pensar diferentes aquisições. Muitos temas se aplicam

a várias faixas etárias e ao ensino de Língua Portuguesa como um

todo. As bases para a sua produção foram construídas buscando, na

formulação dos textos, um diálogo com a experiência docente. Nela

se privilegia a problematização da prática, dos modos de aprender

e de ensinar dos professores leitores/escritores e a aplicação ou a

análise de atividades com alunos, projetando-se, a partir daí, algumas

tarefas didáticas. No entanto, pode-se dizer que essa coleção segue

a tendência de apresentar mudanças paradigmáticas da área, não

podendo ser extremamente vinculada às reformas estruturais envolvidas

na alfabetização. Por suas características, sua apropriação e uso,

sofreriam menos efeitos das mudanças nas políticas educacionais?

Assim, há diferenças muito significativas entre os dois tipos

de produção do CEALE, embora tenhamos partido de pressupostos

comuns, e podemos dizer que elas apresentam duas tendências de

formação contínua: uma mais vinculada à organização dos saberes

e atividades didáticas para um tipo de reforma que lembra outras

situações de formação ligadas à implementação de ciclos e progressão

continuada na década de 80, e outras situações de formação baseadas

em viradas paradigmáticas da própria área, como a que foi decorrente

dos estudos da psicogênese da língua escrita.

O fato de apresentar um exercício de formulação de instrumentos

na primeira coleção parece responder mais imediatamente às

demandas por ações organizativas na sala de aula, sobretudo se

considerarmos que essa dimensão ficou um pouco relegada no âmbito

das apropriações do construtivismo na alfabetização. Entretanto, esta

intenção de aproximação com aspectos da prática ainda pode ser

questionada, tendo em vista resultados de pesquisa que estamos

orientando, visando compreender o processo de sua utilização pelos

professores (SA:2009). Textos que, para nós, articulam pressupostos

teórico-metodológicos, incluído aí um volume de mais de cem páginas

com atividades comentadas, são nomeados por alguns sujeitos da

pesquisa como teóricos e parte das apropriações são realizadas,

observando os paradigmas da década anterior sobre os processos

evolutivos da aprendizagem da escrita.Ou seja, o material é lido

a partir de um crivo epistemológico já consolidado e disseminado

por nós, em outros momentos históricos (FRADE:1993). Podemos
pensar, então, na força que o paradigma construtivista aplicado à

alfabetização exerce nos professores, para além da ampla divulgação

que fizemos desse referencial. Como podemos explicar esse impacto?

Primeiramente pelo poder explicativo da teoria que permite analisar a

produção das crianças a partir de uma lógica científica comprovável e

pela conseqüente defesa de que toda criança pensa, reflete e aprende

(valor epistemológico e político disso no discurso dos alfabetizadores).

Em segundo lugar, embora não se tenha investido na produção de uma

didática baseada na psicogênese da língua escrita que se voltasse

para a organização do trabalho e para conduzir intervenções mais

produtivas dos professores, verifica-se um aspecto procedimental que

a teoria psicolingüística de base sociointeracionista acabou adquirindo:

com ela é possível fazer um diagnóstico da produção escrita e criar

alguns instrumentos de análise das interações da crianças com a

escrita em sala de aula.

Encontramos resultados parecidos ao implementar inicialmente

o projeto Pro-letramento, que usa parte da coleção Instrumentos

da Alfabetização, no nordeste do País. No Ceará, por exemplo, os

formadores que tinham vivenciado antes o projeto PROFA, fortemente

influenciado pelo paradigma da psicogênese da língua escrita, foram

os que primeiro se opuseram ao caráter mais propositivo incorporado

na proposta do primeiro e segundo fascículos, que sugerem

capacidades a serem desenvolvidas e sua progressão no ciclo inicial

de alfabetização. Nesse sentido, a tentativa de reconstruir uma

didática que aparece mais claramente nesses materiais é um ponto de

tensão em relação ao paradigma anterior. Mas foram esses mesmos

professores os nossos principais aliados quando perceberam que a

proposta acrescentava outros elementos à discussão, não deixando

de considerar a dimensão do sujeito que aprende, nem a análise do

contexto para repensar as progressões.

Uma boa questão para a política, para a pesquisa e para as

próprias ações de formação é considerar a força dos paradigmas

que divulgamos em períodos anteriores e sua repercussão na leitura

que os professores fazem de nossas novas abordagens. Isso talvez

possa explicar o fato aparentemente estranho de que vários sujeitos

da formação vão ler os nossos textos, reconhecendo neles parte

do que já sabem, o que legitima seus saberes, tornando opacos os

novos conhecimentos. Daí o comentário: “queremos novidades”,

tão recorrente nas fichas e nos processos de avaliação que temos

aplicado, mesmo quando supomos que nossos materiais também

apresentam inovações.

Certa disposição para a busca incessante de inovação parece

ser recorrente desde a instituição e a consolidação do sistema de

instrução no Brasil, ou seja, nossa escola nasce sob o signo de

reformas. Baseando-nos nas ideias de Foucault (1995), precisamos

pesquisar com mais atenção a gênese desse tipo de formação

discursiva, sobretudo na área de alfabetização, e os aspectos que a

sustentam para compreender a avaliação que os professores fazem

sobre os conteúdos das propostas de formação que chegam até eles.

Se pouco se consolida em termos de propostas educacionais e o

tempo de inovação ( pelo menos no campo das idéias) é mais forte

que o de estabilização, dificilmente iremos responder às demandas

dos professores, mesmo porque não se produz tanta novidade no

processo de investigação da educação, em geral.

Outros fatores também chamam a atenção na apropriação.

Vários professores também esperam encontrar, num processo de

formação da área de linguagem, os paradigmas de ensino relativos a

aspectos mais amplos, frutos de uma didática mais geral, consolidada na

ideia da importância do contexto, na divulgação do ensino por projetos

que têm apresentado grande repercussão nos sistemas de ensino.

Ou seja, nos processos de formação e a partir deles, os professores

operam com outras lógicas, tentando reordenar a suposta novidade

em paradigmas mais gerais que já dispõem ou que já internalizaram

(FRADE:2007).

Esses crivos colocados pelo leitor permitem explicar parte de suas

insatisfações. Numa análise quantitativa sobre o que recorrentemente

apresentam como demanda, após os cursos de formação, duas

delas se destacam: “mais novidades” e “mais atividades práticas”.Essas apreciações dizem respeito ao conteúdo da formação, mas

existe uma terceira apreciação sobre a necessidade de aumento do

tempo dos cursos, sempre reduzido, se formos considerar a formação

desenvolvida fora da escola. Um dos grandes limites de cursos fora

da escola é que eles não se desdobram após a finalização do tempo

previsto. Na opção entre universalizar ou aprofundar a formação em

alguns locais, parece que ficamos presos à primeira dimensão.

Por outro lado, produzimos materiais com atividades detalhadas

para a sala de aula e, mesmo assim, parecemos não alcançar a prática

cotidiana. Mediante essas considerações, indagamos se nossas ideias

sobre o que é uma prática dialogam com as ideias dos professores sobre

o que é um material ou uma formação que se articula com a prática.

Pode ser, também, que os limites não estejam apenas no material em

si, mas na forma como se desenvolve a formação e na dificuldade que

temos em implementar estratégias de acompanhamento no cotidiano

da sala de aula de um grupo. Mas, mesmo com essas limitações, com

os nossos movimentos de maior aproximação com a sala de aula,

realizamos deslocamentos em relação aos textos de divulgação de

pesquisas que tradicionalmente a academia produz. Se nem sempre

os textos respondem às demandas práticas, pode ser porque estas se

resolvem nas próprias situações vivenciadas na sala de aula. Assim,

não podemos esperar dos textos que produzimos aquilo que eles não

podem responder.

Para uma avaliação dos efeitos simbólicos da produção

A participação do CEALE como um dos centros de Formação

Continuada traz efeitos positivos e negativos que nos obrigam a

certos enfrentamentos relacionados ao lugar que passamos a ocupar

na formação contínua. Uma primeira consequência decorrente da

criação dos centros foi a produção de materiais que respondessem a

demandas específicas dos professores. A finalidade de produzir nessa

direção gerou várias discussões, num esforço de produzir textos de

divulgação científica e, ao mesmo tempo, de aplicação em sala de

aula. Essa mobilização foi acompanhada por avaliadores externos e

leitores críticos, o que qualifica a produção dos centros.

Uma segunda consequência diz respeito à natureza do

trabalho desenvolvido pelos centros de pesquisa, uma vez que este

passa a ser desenvolvido sistematicamente. Isso também nos obriga

a pensar no significado de uma produção que chega efetivamente às

mãos de um número muito grande de leitores, uma vez que várias

secretarias de educação passam a se dirigir às universidades e

uma das condições de implementação dos cursos de Formação

Continuada é a posse individual dos textos pelos docentes. Tendo em

vista os números de professores que se tornaram leitores dos textos,

precisamos questionar: qual texto científico alcançaria tantos leitores

e com acompanhamento da leitura feito na formação presencial? Pelo

mapeamento das regiões, estados e municípios atendidos de norte

a sul do País, podemos antecipar a circulação de ideias no plano

nacional. Constata-se, então, que temos um fenômeno interessante

a ser investigado: que utilização os professores e as escolas fazem

desses textos? Nossos textos científicos e de divulgação são lidos na

mesma proporção? Os textos que visam a uma discussão conceitual e

aplicação são percebidos com essa mesma função pelos professores

e secretarias que os recebem?

Uma terceira consequência é relacionada à grande circulação

nacional de textos de formação e ao poder simbólico dessas propostas,

uma vez que são produzidas nas universidades, mas sob encomenda e

chancela do MEC. No contexto de uma rede nacional, há uma espécie de

sintonia entre os discursos produzidos pelo MEC, pelas universidades

e pelos sistemas de ensino, e isso implica desdobramentos que não

podemos ignorar. Tendo em vista a natureza dos textos de cunho mais

organizativo e essa confluência entre diferentes atores educacionais,

não podemos desconsiderar, como Gatti e Barreto (2009), que,

embora seja positiva uma ação concertada de formação no plano

nacional, corremos o risco de oficializar os textos de formação, de tal

modo que vários deles passam a orientar as práticas curriculares das

escolas brasileiras. Dessa forma, a intenção de apenas indicar uma

proposta didática corre o risco de virar prescrição didática e, aos olhos

dos professores, é a universidade que prescreve. Um efeito simbólico

desse tipo de representação é o de deslocar a universidade do lugar

da crítica e o equívoco de confundir o que os outros atores do sistema

desenvolveram a partir de nossa produção com nossos materiais e

propósitos iniciais.

As consequências simbólicas envolvendo as relações

entre sociedade, universidade e sistemas de ensino repercutem

na apropriação dos conteúdos de formação propriamente ditos. Os

desdobramentos se tornam mais sistemáticos à medida que atingimos

o conjunto de professores de uma rede de educação, pois em vários

municípios temos trabalhado de forma universalizada, contínua e

com mais de um curso para o mesmo sistema. Nessa perspectiva, as

secretarias de educação podem contar com um território comum de

referências e repertórios e isso traz benefícios para o sistema.

Mas o que temos verificado, como dado de pesquisa, é que

quando há maior confluência entre determinados conteúdos da

formação e outras políticas de alfabetização implementadas pelas

próprias secretarias, a exemplo das políticas de avaliação, como

programas de avaliação e monitoramento da alfabetização (Pro-Alfa/

MG, PAIC/Ceará, Provinha Brasil), as secretarias de educação, e

não apenas as escolas e os professores, tendem a se apropriar dos

conteúdos da formação que respondem mais imediatamente a estas

políticas, oficializando ou utilizando partes dos textos que mais se

aproximam de suas necessidades. Nota-se, então, um reordenamento

do material produzido pelo centro, como, por exemplo, recorte de

quadros de capacidades a serem atingidas ou de fichas de avaliação

que passam a funcionar para a regulação e o registro escolar e como

prescrição das práticas escolares. Estamos, assim, no limite entre

uma proposta que visa à autonomia do professor e uma outra que

visa a regulação dos resultados do seu trabalho, a partir da mesma

produção.e a forma dos textos que escolhemos produzir e os riscos e

benefícios envolvidos nessa escolha nos levam a novas perguntas.

Se escrevemos para a sala de aula e para o professor, passamos a

compor o grupo dos prescritores e a exercer mais claramente um tipo

de controle simbólico, conforme apontado por Basil Bernstein ( 1996)?

Se enfrentarmos menos a questão das aplicações, atenderemos

aos anseios dos professores? Ao contrário, se escrevemos textos

acadêmicos para nossos pares, divulgando-os no mesmo formato

para os professores, quem são realmente os destinatários de nossas

pesquisas? (SOARES:2003)

Formação continuada: locus de divulgação,

discussão e articulação das outras políticas ou de

avaliação das outras políticas?

Nos últimos anos, as universidades também têm sido chamadas

a participar de diversos programas do MEC, envolvendo avaliação de

obras didáticas, paradidáticas e de literatura nos programas PNLD,

PNBE, entre outros, e em políticas de avaliação da alfabetização,

como o Provinha Brasil ou o programa Brasil Alfabetizado.

Nos contatos com os professores nos momentos de formação,

verifica-se que muitos estão reproduzindo um discurso que nós

mesmos ajudamos a construir, na década de 80, de crítica ideológica

e da extrema regulação do trabalho do professor que o uso de livros

didáticos pode ensejar. Os professores, então, não usam os livros

a que têm acesso por alguns princípios prévios, desconhecendo as

mudanças operadas nos próprios livros. Da mesma forma, nota-se

que muitos educadores não são devidamente informados sobre outras

políticas envolvendo livros ou não são incentivados a participar de

sua efetivação e gestão. Embora haja uma política de constituição de

acervos de obras literárias que supostamente deveriam atingir a todas

as escolas brasileiras, é comum ouvir a crítica à ausência de livros nas

escolas.

A possibilidade de conhecer a fundo essas outras políticas

educacionais tem-nos ajudado a divulgar políticas do livro ou de

avaliação, por exemplo, fazendo dos espaços de formação um momento

de qualificação dos professores para fazer críticas construtivas às

políticas, cruzar informações, qualificar escolhas e demandar ações

efetivas das secretarias de educação.

Numa experiência recente de formação numa escola municipal

de Belo Horizonte com os materiais do Ceale, encontramos os

professores às voltas com a interpretação dos resultados da Prova

Brasil, que avalia as séries finais do Ensino Fundamental, e do Pro-Alfa

(Programa de Avaliação da Alfabetização, implementado pela SEE/

MG). A chegada da coleção Instrumentos e a sua proposta de avaliação

a ser desenvolvida pelo próprio professor e pela escola geraram uma

pesquisa, realizada durante o processo de formação. No processo de

discussão, então, foi possível interpretar os resultados da Prova-Brasil,

seus limites para compreender a avaliação inicial da alfabetização

daquela escola, pensar e aplicar outro tipo avaliação diagnóstica da

alfabetização, estabelecendo os limites e as possibilidades de cada

tipo de instrumento. Com isso, também verificamos pontos que a

escola estava deixando de considerar no processo de alfabetização

e letramento.

Mas é também na formação que tomamos conhecimento dos

limites e entraves de operacionalização das próprias políticas. Um bom

exemplo é a tomada de conhecimento, por nós formadores e pelos

próprios professores, de como uma política pedagógica de avaliação

da alfabetização, como a Provinha Brasil, pode-se tornar fator de

controle do trabalho das escolas, independente da proposta inicial de

que são os professores e os alunos os principais beneficiários de seus

resultados.

A formação continuada seria, então, o lócus da convergência e

de avaliação qualitativa do alcance de outras políticas: é nesse espaço

que podemos articulá-las e colocar em perspectiva o alcance das

ações do MEC, dos sistemas de ensino e das universidades, refletindo

sempre sobre a viabilidade de nossas propostas e utopias.

A maior riqueza da formação contínua está no que ocorre

em seu interior, no plano das interlocuções e isso é muito difícil de

investigar. Assim, se formos avaliar uma formação pelo seu conteúdo

formal expresso nos materiais impressos, podemos dizer que essa seria

limitada, uma vez que não apenas o conteúdo dos textos que qualifica

um processo de formação, mas as ações e as reflexões efetivas que

cada grupo, cada escola ou sistema de ensino implementam, a partir

dos textos iniciais que apresentamos.

Um aspecto relacionado ao anterior que nos tem chamado

a atenção diz respeito à historicidade do material que produzimos.

Isso nos coloca em posição complicada, mas também incentiva a

produção do conhecimento. Frente aos limites de uma produção,

vários professores cobram atualizações, mas também desenvolvem

produções próprias completando, detalhando ou desdobrando

exemplificações em sua escola.

Tendo em vista essas considerações para futuros analistas do

discurso e das concepções que os materiais veiculam, fica o desafio:

os textos conservados não representam a formação desenvolvida,

pois ela é adensada nas possibilidades do encontro entre formadores,

professores, numa dada realidade e problemática, sobretudo

pela riqueza das divergências entre professores, escolas, redes e

universidades. Colocar em perspectiva o que fazem e o que fazemos,

seja na própria escola, num curso de uma rede ou entre redes, não

inviabiliza uma modalidade específica, um curso de atualização, mas

impõe cada vez mais a perspectiva de trabalhar diversas ações de

formação complementares, sobretudo se considerarmos que os

modelos melhor avaliados são aqueles que envolvem formação

permanente na própria escola. (GATTI e BARRETO:2009)

Além disso, a análise do conteúdo formal dos materiais é

ainda limitada porque há políticas de alfabetização que conseguem

determinar fortemente os contextos dos encontros de formação e a

apropriação feita pelos professores. É o caso do monitoramento dos

resultados da alfabetização, que vem impactando as redes e fazendo

com que seja considerado ou retomado, no material de formação,

apenas partes que respondam às necessidades do momento da 56

política educacional.

Por outro lado, há políticas públicas de estados e municípios

que se utilizam de propostas privadas de oferta de formação. Há, então,

políticas de formação em concorrência. Uma dimensão fundamental

dos programas desenvolvidos na Rede tem sido a de qualificar a oferta:

professores têm direito a uma formação oferecida por universidades e,

nesse contexto, as escolas e sistemas de ensino passam a se dirigir

a esses centros, ao invés de responderem a ofertas de mercado. No

entanto, é exatamente no plano da formação contínua e no contato

com professores que descobrimos que há propostas concorrentes,

de iniciativa privada, ao mesmo tempo em que são ofertados cursos

da rede nacional. Identificamos, por exemplo, nas ações do Proletramento

em MG e no Ceará, a existência de empresas que operam

no campo educacional, que conseguem chegar a vários municípios

brasileiros com promessa de resolução rápida dos problemas.

Na escolha entre uma formação da rede nacional e outra

paralela adotada no Município, os professores não têm muita opção:

geralmente as propostas implementadas pela iniciativa privada

articulam materiais pedagógicos, formação e mesmo monitoramento

da avaliação, gerando efeitos na política do município que repercutem

fortemente na gestão das escolas e nas salas de aula.

Mas um dos efeitos dessa oferta têm sido as críticas recorrentes

feitas pelos professores integrantes dos grupos de formação, que

argumentam sobre a incompatibilidade conceitual e política entre as

propostas ofertadas pelo MEC/Universidades e as outras, o que nos

leva a constatar que os professores brasileiros estão preparados para

fazer sérias críticas. Essa é uma boa questão de pesquisa: com tanta

oferta de formação, o que diferencia as propostas de cunho mais oficial

das outras? Quais são as estratégias e as argumentações utilizadas

pelos grupos de iniciativa privada aos secretários de educação? Quais

os recursos e as rubricas utilizadas pelos municípios para financiar

essas intervenções? Que estratégias os professores utilizam para

administrar projetos concorrentes?

Considerações finais

Nas últimas décadas, temos acompanhado uma série de

iniciativas dos profissionais de educação em relação ao direito à

formação contínua: formação de grupos nas escolas, intercâmbio

entre escolas de uma região, criação de centros municipais e estaduais

de capacitação e várias ações de pesquisa e ação educacional de

universidades brasileiras. Nessas várias modalidades, constatamos

que os protagonistas são professores, coordenadores, gestores dos

sistemas de ensino e que cada estratégia e âmbito de atuação têm

funções diferenciadas numa rede ampla de iniciativas, mas todas

têm um ponto em comum: repercutir no cotidiano da escola e nos

resultados da educação.

Podemos dizer que houve avanços nos últimos anos, mas

a formação contínua será sempre um desafio. As apropriações da

formação pelos professores podem nos ajudar a formular novas

temáticas de pesquisa e a repensar estratégias de formação. Os novos

paradigmas e as ações educacionais não promovem mudanças a curto

prazo: os conceitos e as alternativas precisam ser experimentados, às

vezes descartados, e é também o professor que oferece o contraponto

e o complemento aos nossos ideais de inovação e às políticas públicas

educacionais. Retomemos, então, a questão das temporalidades e das

lógicas distintas que as regulam (HÉBRARD:2000). Nesse sentido há

tempos para a produção de materiais, para a apropriação de conceitos;

tempos para descobrir estratégias de aplicação e, tempos para ouvir

os professores e revitalizar nossas estratégias. Há, enfim, questões

que não dependem apenas de um modelo de formação ou de um

conteúdo aplicado em um contexto de formação.

Não podemos esquecer que há diferentes forças em jogo nos

processos de apropriação da formação, implicadas nos interesses

das secretarias, do MEC e estabelecidas nas relações entre as

próprias políticas educacionais. Com a criação do Sistema Nacional

de Formação Continuada, podemos dizer que nunca houve tanta

intensificação da oferta de cursos. Em que pesem as críticas quanto

às modalidades de formação e à complexidade de ações envolvidas

58

e do alcance de cada uma delas, seria arriscado eleger um modelo

de formação. Os professores teriam o direito, então, de ter acesso a

várias estratégias: cada uma com seus alcances e limites.

Sobre a área temática trabalhada, a alfabetização, convém

destacar que é um campo muito demandado como conteúdo

de formação contínua. Nele também encontramos as principais

alternativas de formação buscadas para resolução dos problemas,

com ricas experiências de formação alternativa nas escolas e com

políticas de formação específicas para esse fim, implementadas

nacionalmente. Parte desse movimento decorre das próprias

questões históricas relativas à difusão da cultura escrita no Brasil, dos

resultados insuficientes nos índices de alfabetização e letramento,

das disputas acirradas em torno da melhor forma de conduzir o

processo pedagógico, da multiplicidade de pesquisas e dos impactos

que os novos paradigmas exercem nos professores e em nós, frente

aos quais sempre nutrimos novas esperanças de resolução de

problemas. A partir desse conjunto de expectativas, muitos equívocos

são produzidos.Talvez o maior deles seja o de esperar que apenas

estratégias pedagógicas resolvam questões que são, antes de tudo,

políticas, sociais e culturais, o queà dificulta a avaliação dos impactos

da formação continuada de professores alfabetizadores nos resultados

da alfabetização.

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