Mestranda em Educação - UNIUBE
XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO
Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais
FORMAÇÃO DE PROFESSORES ALFABETIZADORES NO BRASIL NO CONTEXTO DA REDE NACIONAL DE FORMAÇÃO CONTINUADA: PRODUÇÃO, APROPRIAÇÕES E EFEITOS
Isabel Cristina Alves da Silva Frade
Pesquisadora e coordenadora pedagógica do setor de Formação
Continuada do CEALE e professora da FAE/UFMG
Introdução
As pesquisas sobre o saber docente desenvolvidas por Nóvoa (1992), Perrenoud (1993), Tardif (1991) e Schon(1992), divulgadas no Brasil na década de 90, levaram-nos a questionar os modelos tecnicistas baseados em uma ideia de racionalidade técnica, a partir da qual se pensava que um bom projeto de formação bastava para que se alterassem as práticas.
As teorias colocaram em xeque os modelos transmissivos e apresentaram novos desafios para pensar as pesquisas e as políticas de formação, redirecionando nosso olhar para a questão da identidade profissional dos docentes, seu protagonismo e compromisso com o desenvolvimento profissional, e para os modelos de formação que contemplassem, em sua metodologia, o processo de ação-reflexãoação e o ideal de professor pesquisador. Esses novos paradigmas também nos incentivaram a fazer novas perguntas sobre nossas ações de formação e de pesquisa: quem faz a formação? Onde ela deveria ocorrer? Que conteúdos vão subsidiá-la e como contemplar os diversos saberes docentes na formação? Com quem e como o professor aprende? Quais os limites da formação contínua? Vários pesquisadores vão defender a ideia de que se aprende pela experiência, com os pares, e o lugar preferencial da formação contínua é a escola: locus em que se definem as problemáticas da formação e onde se constrói, de forma articulada, o processo de formação (DINIZ-PEREIRA: 2009:03, GATTI e BARRETO (2009). Para que isso ocorra, são necessárias mudanças nas condições estruturais de trabalho: número adequado de alunos, tempo para discussão garantido na jornada de trabalho, acesso às pesquisas e trabalhos de intervenção na prática, autonomia, salários dignos e uma cultura institucional propícia à formação. Isso joga por terra qualquer proposta que leve em conta apenas a vontade de formação manifestada pelos professores. Afirmamos, também, que a formação contínua não ocorre apenas porque é necessário que os professores tenham acesso aos conhecimentos produzidos nas pesquisas e nem porque a formação continuada visa responder problemas emergentes ou preencher lacunas, no sentido compensatório, mas, pelos desafios que a sala de aula e os próprios fins da educação impõem. Citando Rui Canário, Lelis (2009:03) observa que a incerteza da relação formação e trabalho decorre de fenômenos atuais: a mobilidade profissional, a rápida obsolescência da informação e as rápidas mudanças nas organizações que fazem com que, ao longo de um ciclo profissional, os professores mudem suas qualificações, alterem seu conjunto de competências e funções. Coerente com a ideia da importância dos saberes dos professores nos processos de formação e nos seus desdobramentos, também consideramos a formação como espaço da diversidade. No processo de formação, há sujeitos com histórias de vida e formação, com valores, saberes teóricos e da experiência que constroem expectativas e têm um papel forte nas apropriações. Por outro lado, essas apropriações são determinadas por seu pertencimento institucional, pelas políticas e estruturas existentes nos sistemas de ensino onde atuam.
Nesse sentido, lidar com a formação cultural dos professores é um grande desafio. Na intenção de compreender uma prática cultural dos docentes, buscando revelar aspectos da diversidade, realizamos no CEALE, na década de 90 e início do século XX, uma série de pesquisas sobre as condições que configuram o professor como leitor de textos (FRADE:2006b). Tendo em vista os resultados dessas pesquisas, verificamos o impacto da história da escolarização, das oportunidades de acesso à cultura escrita e dos tipos de leitura profissionais e pessoais que, no caso dos sujeitos das pesquisas, ainda são fortemente condicionados pela configuração profissional.
Assim, não podemos passar ao largo das experiências culturais dos sujeitos professores se desejamos que implementem com seus alunos ações culturais enriquecedoras. Desse modo, ao invés de denunciar precariedades de acesso dos professores a experiências estéticas e éticas de qualidade e que ultrapassem as necessidades apenas profissionais, precisamos contemplar, no processo de formação inicial e continuada, estratégias que favoreçam momentos de fruição de textos literários, a leitura e a discussão de textos acadêmicos, assim como sua produção escrita, ampliando, assim, o repertório cultural dos docentes e sua reflexão crítica sobre a cultura. Dessa mesma forma, não há como eleger conteúdos de formação para professores sem pensar nos processos que constituem o professor como aprendiz: os saberes específicos adquiridos e os saberes produzidos na ação pedagógica. Se não acreditamos no modelo de racionalidade técnica que tem como pressuposto uma hierarquização entre os saberes científicos, os saberes pedagógicos
e as aplicações didáticas, precisamos, então, desconfiar da força dos saberes acadêmicos originados em nossas pesquisas e aprender com os professores a fazer perguntas que vêm de outra direção: a da experiência docente.
Nesse sentido, há outro fator muito importante que precisamos considerar: a pragmática da sala de aula. Refletindo sobre a relação entre a cultura profissional, o modo como produzimos conteúdos para a formação e como abordamos as questões dos professores durante os momentos de formação, convém nos preocuparmos mais especialmente com aspectos da pragmática da sala de aula, entendida como aspecto constitutivo e complexo da prática e não como pragmatismo.
Nesse sentido, há outro fator muito importante que precisamos considerar: a pragmática da sala de aula. Refletindo sobre a relação entre a cultura profissional, o modo como produzimos conteúdos para a formação e como abordamos as questões dos professores durante os momentos de formação, convém nos preocuparmos mais especialmente com aspectos da pragmática da sala de aula, entendida como aspecto constitutivo e complexo da prática e não como pragmatismo.
Essa questão é muito bem problematizada por Anne-Marie Chartier (2000,2007), ao discutir o papel dos saberes ordinários do cotidiano, o que nos faz repensar, de forma inovadora, as demandas do professor em processos de formação continuada. Mediante essa perspectiva, aspectos que antes eram tratados de forma preconceituosa nas interações entre universidade e professores, nomeados como “pedido de receita”, emergem hoje como questão fundamental de pesquisa, alterando a maneira como dialogamos com eles. Isso implica considerar sua cultura pedagógica, os ordenamentos a que são submetidas as práticas no cotidiano e a importância dos saberes experienciais. Diante desse conjunto de ações construído pelos docentes e pela cultura profissional, não podemos cometer o equívoco de pensar que os professores criam do nada: eles herdam e constroem uma cultura pedagógica, portanto suas ações e estratégias precisam ser divulgadas no intuito de inspirar outras criações.
Há dispositivos pedagógicos herdados pelos professores que são fortemente enraizados em sua prática porque têm valor pragmático e simbólico para os docentes e a análise sobre efeitos de uma formação se relaciona com nossa compreensão ou nossa incompreensão sobre o papel que cumprem estes dispositivos no cotidiano. Refletindo sobre os efeitos da formação continuada, lidamos com vários tempos, definidos por Jean Hebrárd (2000) como o tempo das idéias, o tempo das políticas e o tempo das práticas. O mesmo autor salienta que essas temporalidades produzem renovações em ritmos distintos, quando consideramos a relação entre saberes produzidos no campo acadêmico, as políticas e possibilidades de apropriação.
Devemos, então, considerar as questões pragmáticas envolvidas no cotidiano da sala de aula e na cultura pedagógica dos professores para pensar o alcance de nossas propostas e para implementar novos tipos de pesquisas (FRADE:2007). Se vamos discutir com eles procedimentos didáticos, temos que saber que a “aplicação” não se faz por uma lógica tão direta, uma vez que os professores procuram sempre fazer adaptações em relação ao contexto e ao tipos de alunos e, por via desta discussão, podemos chegar a reflexões conceituais relevantes, dependendo das interferências que fazemos com os professores nos encontros de formação. Ao discutir atividades de sala de aula, temos fatores complexos a considerar.Não podemos discutir as atividades sem buscar uma explicitação do que está em jogo numa determinada estratégia didática: o que os alunos precisam saber para desenvolver essa atividade? Por que ela se organiza de determinada forma? Que aspectos do aprendizado da língua ela aborda? Essa atividade limita o aprendizado ou realmente contempla a atividade de reflexão do aluno? Essa atividade vem numa sequência de procedimentos? É uma atividade de diagnóstico, de exposição, de síntese ou de aplicação de conhecimentos? Se houver uma alteração no seu rumo, que outros conteúdos ela abarca? Como o professor
pode se preparar para desenvolvê-la? Como os alunos devem se organizar para realizá-la? Como ela se relaciona à proposta cultural da escola em determinado momento do ano? (FRADEa:2006:02)
Por outro lado, em nossas pesquisas, trabalhamos recortes
de processos de ensino-aprendizagem, investigamos e divulgamos
paradigmas que demandam inovações em sala de aula, mas é
necessário reconhecer que a ação pedagógica é composta de
um conjunto mais amplo de experiências ordinárias e regulações
institucionais que definem o trabalho docente. Embora as demandas
e as estratégias de formação possam ser pensadas num âmbito
individual, ou mesmo particular, a formação não se faz de forma isolada
de uma escola, de uma rede e de um sistema nacional de ensino, que
impactam o tipo de apropriação e a forma com avaliamos os projetos
de formação continuada. Melhor dizendo, entre conteúdos e processos
autônomos de formação, pensados por pessoas ou pequenos grupos
e mesmo por escolas, há uma formação que sofre efeitos da regulação
de agências de controle do trabalho docente e dos saberes a serem
adquiridos pelos discentes. É nessa confluência que são produzidas as
negociações. Nesse sentido, a formação contínua dos docentes supõe
reflexão sobre o trabalho e sobre o que determina o trabalho. Isso
também suscita o aprofundamento em pesquisas que acompanhem
impactos de formações no cotidiano na sala de aula para pensarmos
o alcance das políticas na relação com esses ordenamentos. Segundo
revisão de Gatti e Barreto (2009), essa abordagem ainda é bastante
reduzida nas pesquisas brasileiras.
Considerando que os professores aprendem preferencialmente
com seus pares, a partir de suas experiências culturais e profissionais;
que os saberes científicos e pedagógicos por nós produzidos podem
não encontrar correspondência em aplicações imediatas; e que os
modos de aprendizagem dependem de uma pragmática da sala de
aula e de contextos institucionais, trataremos, a seguir, da análise de
algumas experiências oriundas de nossas práticas contemporâneas
de formação continuada voltadas para o ensino inicial da escrita.
É preciso ressaltar que defendemos na continuidade de ações
de formação implementadas em parceria com o MEC/Universidades/
Secretarias de Educação e que acreditamos no impacto positivo
de formações de qualidade, inclusive as que são desenvolvidas no
âmbito de uma Rede Nacional de Formação Continuada, mas isso não
nos impede de pensar nos seus limites. Neste texto, serão tratados
elementos que permitem refletir sobre a natureza de alguns de seus
efeitos e nos problemas que nós, como universidade, precisamos
enfrentar na pesquisa e na produção dessa política.
Rede Nacional de Formação Continuada: o que esse
espaço inaugura?
A partir de direitos estabelecidos na LDBEN/1996, de outras
legislações, de planos decenais de educação, reconhecemos que está
garantido o direito à formação contínua. Tendo em vista a efetivação
desse direito, uma nova concepção sobre o desenvolvimento
profissional dos docentes e a existência de recursos, como o FUNDEB,
têm sido criados vários projetos de formação contínua, tanto pelo
MEC, como por Secretarias de Educação, tais como: PROCAP (SEE/
MG), PEC (SEE/SP), PCNs em Ação (MEC); programas de graduação
para professores em exercício, como o Pro-Formação/MEC e
projeto Veredas (SEE/MG), além de alternativas envolvendo mídias
televisivas e digitais, efetivadas pela criação da TV Escola e do Portal
do Professor (SECAD). Especialmente no campo da alfabetização,
destaca-se como iniciativa do MEC o projeto PROFA, implementado
em 2001. Vários desses projetos são analisados por Bernardete Gatti
(2008,2009). Enumerar essas ações, como salienta a autora, é difícil,
sendo possível apenas trabalhar com indicadores mais amplos para
pensar o alcance e a qualidade de nossos trabalhos.
Esse conjunto de ações indica que não podemos mais
denunciar a baixa oferta de formação contínua pelos órgãos oficiais,
nem constatar que há uma única alternativa: há ações regulares e
sistemáticas, alternativas de educação a distância e presencial,
formações realizadas no âmbito das escolas e fora delas, atingindo
professores leigos e com formação superior. Há, também, ações de
curta e média duração, que envolvem desde cursos de atualização até
pós-graduação, e recursos a diferentes linguagens e mídias impressas,
televisivas e digitais.
Embora constatemos uma série de iniciativas sistemáticas,
em 2005 houve uma preocupação do MEC em implementar um
programa nacional de formação continuada, criando a Rede Nacional
de Formação Continuada de Professores da Educação Básica.
Essa grande Rede integra Centros de Pesquisa de universidades
brasileiras e tem, desde a sua criação, o objetivo de, sistemática e
continuamente, garantir ao professor o direito profissional à formação.
Essa política indica o reconhecimento de que a formação contínua faz
parte da cultura profissional brasileira, integra cada vez mais a cultura
educacional das escolas e secretarias de educação, demandando
ações permanentes.
Essa iniciativa do MEC instituiu o credenciamento de vários
centros de formação, ligados a universidades, que se inscreveram,
por meio de edital público, em várias áreas de conhecimento. Essa
ação fomentou mais ainda o desafio de unir pesquisa e extensão, de
estabelecer novas competências nas universidades, para a produção
de materiais. Instaurou-se, assim, por meio dessa proposta, não apenas
mais uma iniciativa voltada para a “capacitação” de professores, mas
uma nova perspectiva de formação a ser pensada pelas universidadese de forma compartilhada e orgânica.
A produção sobre leitura e escrita destinada a professores em
exercício e os crivos apresentados pelos docentes
No âmbito da Rede Nacional de Formação Continuada, o
CEALE (Centro de Alfabetização, leitura e escrita da FAE/UFMG) tem
trabalhado de forma mais sistemática com a produção de material de
divulgação científica para a formação inicial e continuada de professores
nas áreas de alfabetização e letramento. A produção de textos de
divulgação para a formação de professores por pesquisadores de várias
áreas tem sido um desafio, uma vez que produzir para docentes em
exercício não é apenas pensar uma transposição de um conhecimento
científico para um conhecimento pedagógico. Significa muito mais
do que isso; é pensar em questões epistemológicas, nos problemas
que os professores enfrentam, no seu modo de pensar, nos seus
repertórios. Isso nos obriga a adquirir e a desenvolver competências
específicas para escrever para esse interlocutor. Ressalta-se, então,
que as políticas de formação têm efeitos nas nossas próprias operações
discursivas, o que nos leva a uma questão de pesquisa: como isso tem
refletido nos nossos textos acadêmicos e de divulgação?
Embora esse tipo de produção seja menos valorizado do ponto
de vista acadêmico, temos conseguido criar competências, legitimar
e fazer valer o peso desse tipo de texto nos programas de pósgraduação
e na produção intelectual. Ao produzir textos específicos
para professores em exercício, não fazemos uma “concessão” aos
professores e sistemas de ensino, mas exercitamos novos olhares e
saberes, para verificar até que ponto somos capazes de dialogar com
sujeitos e processos sobre os quais discursamos e pesquisamos.
Mas produzir esses materiais projetando necessidades dos
professores pode parecer um contra-senso, tendo em vista que
os conteúdos da formação devem ser escolhidos mediante cada
demanda. Nossa produção, então, revela certos limites e o que
fazemos é antecipar possíveis demandas e partilhar a produção com
os professores, no momento mesmo em que finalizamos os textos.
Nesse percurso da Rede, o CEALE escolheu dois caminhos e os
conteúdos eleitos foram decorrentes dessa opção. Além das iniciativas
de um portal e do Jornal Letra A, complementares da formação, há
duas coleções impressas que organizam os cursos: Instrumentos de
alfabetização e Alfabetização e Letramento. Há, ainda, uma terceira
produção denominada Pro-letramento, que é o resultado de uma
edição conjunta, contendo textos dos cinco centros de formação da
área de alfabetização.
A coleção Instrumentos de Alfabetização é composta de
07 volumes e teve sua origem numa demanda específica: como
organizar a alfabetização e as atividades de letramento no contexto
do Ensino Fundamental de 09 anos? Em função dessa indagação,
foram desdobradas outras: que capacidades estariam envolvidas
nos primeiros anos? Como realizar um diagnóstico processual da
alfabetização? Que fatores facilitam uma organização do ciclo inicial
de alfabetização? O que seriam boas atividades de ensino?
Pensada inicialmente para contribuir na política de implementação
do Ensino Fundamental de 09 anos da SEE/MG e recomposta a partir
do diálogo com leitores professores de Minas Gerais, a coleção foi
reformulada, acrescida de alguns volumes, e visou responder ao
desafio de fornecer instrumentos para a prática. Dessa forma, se seu
formato e sua abordagem buscaram atingir demandas históricas dos
professores em projetos de formação continuada, pode-se caracterizar
a coleção como baseada em paradigmas atuais do ensino da língua,
mas existe uma associação clara entre seu conteúdo e uma reforma
estrutural do ensino, que pode ter repercussões diferentes nos modos
de recepção dos professores e das redes. Seus efeitos seriam mais
duráveis, mediante essa associação, ou menos perenes, tendo em
vista as oscilações nas políticas de educação e as representações
sobre as reformas?
A segunda coleção, Alfabetização e Letramento, composta de
18 volumes, foi concebida para aprofundamento teórico em diferentes
temas, para pensar diferentes aquisições. Muitos temas se aplicam
a várias faixas etárias e ao ensino de Língua Portuguesa como um
todo. As bases para a sua produção foram construídas buscando, na
formulação dos textos, um diálogo com a experiência docente. Nela
se privilegia a problematização da prática, dos modos de aprender
e de ensinar dos professores leitores/escritores e a aplicação ou a
análise de atividades com alunos, projetando-se, a partir daí, algumas
tarefas didáticas. No entanto, pode-se dizer que essa coleção segue
a tendência de apresentar mudanças paradigmáticas da área, não
podendo ser extremamente vinculada às reformas estruturais envolvidas
na alfabetização. Por suas características, sua apropriação e uso,
sofreriam menos efeitos das mudanças nas políticas educacionais?
Assim, há diferenças muito significativas entre os dois tipos
de produção do CEALE, embora tenhamos partido de pressupostos
comuns, e podemos dizer que elas apresentam duas tendências de
formação contínua: uma mais vinculada à organização dos saberes
e atividades didáticas para um tipo de reforma que lembra outras
situações de formação ligadas à implementação de ciclos e progressão
continuada na década de 80, e outras situações de formação baseadas
em viradas paradigmáticas da própria área, como a que foi decorrente
dos estudos da psicogênese da língua escrita.
O fato de apresentar um exercício de formulação de instrumentos
na primeira coleção parece responder mais imediatamente às
demandas por ações organizativas na sala de aula, sobretudo se
considerarmos que essa dimensão ficou um pouco relegada no âmbito
das apropriações do construtivismo na alfabetização. Entretanto, esta
intenção de aproximação com aspectos da prática ainda pode ser
questionada, tendo em vista resultados de pesquisa que estamos
orientando, visando compreender o processo de sua utilização pelos
professores (SA:2009). Textos que, para nós, articulam pressupostos
teórico-metodológicos, incluído aí um volume de mais de cem páginas
com atividades comentadas, são nomeados por alguns sujeitos da
pesquisa como teóricos e parte das apropriações são realizadas,
observando os paradigmas da década anterior sobre os processos
evolutivos da aprendizagem da escrita.Ou seja, o material é lido
a partir de um crivo epistemológico já consolidado e disseminado
por nós, em outros momentos históricos (FRADE:1993). Podemos
pensar, então, na força que o paradigma construtivista aplicado à
alfabetização exerce nos professores, para além da ampla divulgação
que fizemos desse referencial. Como podemos explicar esse impacto?
Primeiramente pelo poder explicativo da teoria que permite analisar a
produção das crianças a partir de uma lógica científica comprovável e
pela conseqüente defesa de que toda criança pensa, reflete e aprende
(valor epistemológico e político disso no discurso dos alfabetizadores).
Em segundo lugar, embora não se tenha investido na produção de uma
didática baseada na psicogênese da língua escrita que se voltasse
para a organização do trabalho e para conduzir intervenções mais
produtivas dos professores, verifica-se um aspecto procedimental que
a teoria psicolingüística de base sociointeracionista acabou adquirindo:
com ela é possível fazer um diagnóstico da produção escrita e criar
alguns instrumentos de análise das interações da crianças com a
escrita em sala de aula.
Encontramos resultados parecidos ao implementar inicialmente
o projeto Pro-letramento, que usa parte da coleção Instrumentos
da Alfabetização, no nordeste do País. No Ceará, por exemplo, os
formadores que tinham vivenciado antes o projeto PROFA, fortemente
influenciado pelo paradigma da psicogênese da língua escrita, foram
os que primeiro se opuseram ao caráter mais propositivo incorporado
na proposta do primeiro e segundo fascículos, que sugerem
capacidades a serem desenvolvidas e sua progressão no ciclo inicial
de alfabetização. Nesse sentido, a tentativa de reconstruir uma
didática que aparece mais claramente nesses materiais é um ponto de
tensão em relação ao paradigma anterior. Mas foram esses mesmos
professores os nossos principais aliados quando perceberam que a
proposta acrescentava outros elementos à discussão, não deixando
de considerar a dimensão do sujeito que aprende, nem a análise do
contexto para repensar as progressões.
Uma boa questão para a política, para a pesquisa e para as
próprias ações de formação é considerar a força dos paradigmas
que divulgamos em períodos anteriores e sua repercussão na leitura
que os professores fazem de nossas novas abordagens. Isso talvez
possa explicar o fato aparentemente estranho de que vários sujeitos
da formação vão ler os nossos textos, reconhecendo neles parte
do que já sabem, o que legitima seus saberes, tornando opacos os
novos conhecimentos. Daí o comentário: “queremos novidades”,
tão recorrente nas fichas e nos processos de avaliação que temos
aplicado, mesmo quando supomos que nossos materiais também
apresentam inovações.
Certa disposição para a busca incessante de inovação parece
ser recorrente desde a instituição e a consolidação do sistema de
instrução no Brasil, ou seja, nossa escola nasce sob o signo de
reformas. Baseando-nos nas ideias de Foucault (1995), precisamos
pesquisar com mais atenção a gênese desse tipo de formação
discursiva, sobretudo na área de alfabetização, e os aspectos que a
sustentam para compreender a avaliação que os professores fazem
sobre os conteúdos das propostas de formação que chegam até eles.
Se pouco se consolida em termos de propostas educacionais e o
tempo de inovação ( pelo menos no campo das idéias) é mais forte
que o de estabilização, dificilmente iremos responder às demandas
dos professores, mesmo porque não se produz tanta novidade no
processo de investigação da educação, em geral.
Outros fatores também chamam a atenção na apropriação.
Vários professores também esperam encontrar, num processo de
formação da área de linguagem, os paradigmas de ensino relativos a
aspectos mais amplos, frutos de uma didática mais geral, consolidada na
ideia da importância do contexto, na divulgação do ensino por projetos
que têm apresentado grande repercussão nos sistemas de ensino.
Ou seja, nos processos de formação e a partir deles, os professores
operam com outras lógicas, tentando reordenar a suposta novidade
em paradigmas mais gerais que já dispõem ou que já internalizaram
(FRADE:2007).
Esses crivos colocados pelo leitor permitem explicar parte de suas
insatisfações. Numa análise quantitativa sobre o que recorrentemente
apresentam como demanda, após os cursos de formação, duas
delas se destacam: “mais novidades” e “mais atividades práticas”.Essas apreciações dizem respeito ao conteúdo da formação, mas
existe uma terceira apreciação sobre a necessidade de aumento do
tempo dos cursos, sempre reduzido, se formos considerar a formação
desenvolvida fora da escola. Um dos grandes limites de cursos fora
da escola é que eles não se desdobram após a finalização do tempo
previsto. Na opção entre universalizar ou aprofundar a formação em
alguns locais, parece que ficamos presos à primeira dimensão.
Por outro lado, produzimos materiais com atividades detalhadas
para a sala de aula e, mesmo assim, parecemos não alcançar a prática
cotidiana. Mediante essas considerações, indagamos se nossas ideias
sobre o que é uma prática dialogam com as ideias dos professores sobre
o que é um material ou uma formação que se articula com a prática.
Pode ser, também, que os limites não estejam apenas no material em
si, mas na forma como se desenvolve a formação e na dificuldade que
temos em implementar estratégias de acompanhamento no cotidiano
da sala de aula de um grupo. Mas, mesmo com essas limitações, com
os nossos movimentos de maior aproximação com a sala de aula,
realizamos deslocamentos em relação aos textos de divulgação de
pesquisas que tradicionalmente a academia produz. Se nem sempre
os textos respondem às demandas práticas, pode ser porque estas se
resolvem nas próprias situações vivenciadas na sala de aula. Assim,
não podemos esperar dos textos que produzimos aquilo que eles não
podem responder.
Para uma avaliação dos efeitos simbólicos da produção
A participação do CEALE como um dos centros de Formação
Continuada traz efeitos positivos e negativos que nos obrigam a
certos enfrentamentos relacionados ao lugar que passamos a ocupar
na formação contínua. Uma primeira consequência decorrente da
criação dos centros foi a produção de materiais que respondessem a
demandas específicas dos professores. A finalidade de produzir nessa
direção gerou várias discussões, num esforço de produzir textos de
divulgação científica e, ao mesmo tempo, de aplicação em sala de
aula. Essa mobilização foi acompanhada por avaliadores externos e
leitores críticos, o que qualifica a produção dos centros.
Uma segunda consequência diz respeito à natureza do
trabalho desenvolvido pelos centros de pesquisa, uma vez que este
passa a ser desenvolvido sistematicamente. Isso também nos obriga
a pensar no significado de uma produção que chega efetivamente às
mãos de um número muito grande de leitores, uma vez que várias
secretarias de educação passam a se dirigir às universidades e
uma das condições de implementação dos cursos de Formação
Continuada é a posse individual dos textos pelos docentes. Tendo em
vista os números de professores que se tornaram leitores dos textos,
precisamos questionar: qual texto científico alcançaria tantos leitores
e com acompanhamento da leitura feito na formação presencial? Pelo
mapeamento das regiões, estados e municípios atendidos de norte
a sul do País, podemos antecipar a circulação de ideias no plano
nacional. Constata-se, então, que temos um fenômeno interessante
a ser investigado: que utilização os professores e as escolas fazem
desses textos? Nossos textos científicos e de divulgação são lidos na
mesma proporção? Os textos que visam a uma discussão conceitual e
aplicação são percebidos com essa mesma função pelos professores
e secretarias que os recebem?
Uma terceira consequência é relacionada à grande circulação
nacional de textos de formação e ao poder simbólico dessas propostas,
uma vez que são produzidas nas universidades, mas sob encomenda e
chancela do MEC. No contexto de uma rede nacional, há uma espécie de
sintonia entre os discursos produzidos pelo MEC, pelas universidades
e pelos sistemas de ensino, e isso implica desdobramentos que não
podemos ignorar. Tendo em vista a natureza dos textos de cunho mais
organizativo e essa confluência entre diferentes atores educacionais,
não podemos desconsiderar, como Gatti e Barreto (2009), que,
embora seja positiva uma ação concertada de formação no plano
nacional, corremos o risco de oficializar os textos de formação, de tal
modo que vários deles passam a orientar as práticas curriculares das
escolas brasileiras. Dessa forma, a intenção de apenas indicar uma
proposta didática corre o risco de virar prescrição didática e, aos olhos
dos professores, é a universidade que prescreve. Um efeito simbólico
desse tipo de representação é o de deslocar a universidade do lugar
da crítica e o equívoco de confundir o que os outros atores do sistema
desenvolveram a partir de nossa produção com nossos materiais e
propósitos iniciais.
As consequências simbólicas envolvendo as relações
entre sociedade, universidade e sistemas de ensino repercutem
na apropriação dos conteúdos de formação propriamente ditos. Os
desdobramentos se tornam mais sistemáticos à medida que atingimos
o conjunto de professores de uma rede de educação, pois em vários
municípios temos trabalhado de forma universalizada, contínua e
com mais de um curso para o mesmo sistema. Nessa perspectiva, as
secretarias de educação podem contar com um território comum de
referências e repertórios e isso traz benefícios para o sistema.
Mas o que temos verificado, como dado de pesquisa, é que
quando há maior confluência entre determinados conteúdos da
formação e outras políticas de alfabetização implementadas pelas
próprias secretarias, a exemplo das políticas de avaliação, como
programas de avaliação e monitoramento da alfabetização (Pro-Alfa/
MG, PAIC/Ceará, Provinha Brasil), as secretarias de educação, e
não apenas as escolas e os professores, tendem a se apropriar dos
conteúdos da formação que respondem mais imediatamente a estas
políticas, oficializando ou utilizando partes dos textos que mais se
aproximam de suas necessidades. Nota-se, então, um reordenamento
do material produzido pelo centro, como, por exemplo, recorte de
quadros de capacidades a serem atingidas ou de fichas de avaliação
que passam a funcionar para a regulação e o registro escolar e como
prescrição das práticas escolares. Estamos, assim, no limite entre
uma proposta que visa à autonomia do professor e uma outra que
visa a regulação dos resultados do seu trabalho, a partir da mesma
produção.e a forma dos textos que escolhemos produzir e os riscos e
benefícios envolvidos nessa escolha nos levam a novas perguntas.
Se escrevemos para a sala de aula e para o professor, passamos a
compor o grupo dos prescritores e a exercer mais claramente um tipo
de controle simbólico, conforme apontado por Basil Bernstein ( 1996)?
Se enfrentarmos menos a questão das aplicações, atenderemos
aos anseios dos professores? Ao contrário, se escrevemos textos
acadêmicos para nossos pares, divulgando-os no mesmo formato
para os professores, quem são realmente os destinatários de nossas
pesquisas? (SOARES:2003)
Formação continuada: locus de divulgação,
discussão e articulação das outras políticas ou de
avaliação das outras políticas?
Nos últimos anos, as universidades também têm sido chamadas
a participar de diversos programas do MEC, envolvendo avaliação de
obras didáticas, paradidáticas e de literatura nos programas PNLD,
PNBE, entre outros, e em políticas de avaliação da alfabetização,
como o Provinha Brasil ou o programa Brasil Alfabetizado.
Nos contatos com os professores nos momentos de formação,
verifica-se que muitos estão reproduzindo um discurso que nós
mesmos ajudamos a construir, na década de 80, de crítica ideológica
e da extrema regulação do trabalho do professor que o uso de livros
didáticos pode ensejar. Os professores, então, não usam os livros
a que têm acesso por alguns princípios prévios, desconhecendo as
mudanças operadas nos próprios livros. Da mesma forma, nota-se
que muitos educadores não são devidamente informados sobre outras
políticas envolvendo livros ou não são incentivados a participar de
sua efetivação e gestão. Embora haja uma política de constituição de
acervos de obras literárias que supostamente deveriam atingir a todas
as escolas brasileiras, é comum ouvir a crítica à ausência de livros nas
escolas.
A possibilidade de conhecer a fundo essas outras políticas
educacionais tem-nos ajudado a divulgar políticas do livro ou de
avaliação, por exemplo, fazendo dos espaços de formação um momento
de qualificação dos professores para fazer críticas construtivas às
políticas, cruzar informações, qualificar escolhas e demandar ações
efetivas das secretarias de educação.
Numa experiência recente de formação numa escola municipal
de Belo Horizonte com os materiais do Ceale, encontramos os
professores às voltas com a interpretação dos resultados da Prova
Brasil, que avalia as séries finais do Ensino Fundamental, e do Pro-Alfa
(Programa de Avaliação da Alfabetização, implementado pela SEE/
MG). A chegada da coleção Instrumentos e a sua proposta de avaliação
a ser desenvolvida pelo próprio professor e pela escola geraram uma
pesquisa, realizada durante o processo de formação. No processo de
discussão, então, foi possível interpretar os resultados da Prova-Brasil,
seus limites para compreender a avaliação inicial da alfabetização
daquela escola, pensar e aplicar outro tipo avaliação diagnóstica da
alfabetização, estabelecendo os limites e as possibilidades de cada
tipo de instrumento. Com isso, também verificamos pontos que a
escola estava deixando de considerar no processo de alfabetização
e letramento.
Mas é também na formação que tomamos conhecimento dos
limites e entraves de operacionalização das próprias políticas. Um bom
exemplo é a tomada de conhecimento, por nós formadores e pelos
próprios professores, de como uma política pedagógica de avaliação
da alfabetização, como a Provinha Brasil, pode-se tornar fator de
controle do trabalho das escolas, independente da proposta inicial de
que são os professores e os alunos os principais beneficiários de seus
resultados.
A formação continuada seria, então, o lócus da convergência e
de avaliação qualitativa do alcance de outras políticas: é nesse espaço
que podemos articulá-las e colocar em perspectiva o alcance das
ações do MEC, dos sistemas de ensino e das universidades, refletindo
sempre sobre a viabilidade de nossas propostas e utopias.
A maior riqueza da formação contínua está no que ocorre
em seu interior, no plano das interlocuções e isso é muito difícil de
investigar. Assim, se formos avaliar uma formação pelo seu conteúdo
formal expresso nos materiais impressos, podemos dizer que essa seria
limitada, uma vez que não apenas o conteúdo dos textos que qualifica
um processo de formação, mas as ações e as reflexões efetivas que
cada grupo, cada escola ou sistema de ensino implementam, a partir
dos textos iniciais que apresentamos.
Um aspecto relacionado ao anterior que nos tem chamado
a atenção diz respeito à historicidade do material que produzimos.
Isso nos coloca em posição complicada, mas também incentiva a
produção do conhecimento. Frente aos limites de uma produção,
vários professores cobram atualizações, mas também desenvolvem
produções próprias completando, detalhando ou desdobrando
exemplificações em sua escola.
Tendo em vista essas considerações para futuros analistas do
discurso e das concepções que os materiais veiculam, fica o desafio:
os textos conservados não representam a formação desenvolvida,
pois ela é adensada nas possibilidades do encontro entre formadores,
professores, numa dada realidade e problemática, sobretudo
pela riqueza das divergências entre professores, escolas, redes e
universidades. Colocar em perspectiva o que fazem e o que fazemos,
seja na própria escola, num curso de uma rede ou entre redes, não
inviabiliza uma modalidade específica, um curso de atualização, mas
impõe cada vez mais a perspectiva de trabalhar diversas ações de
formação complementares, sobretudo se considerarmos que os
modelos melhor avaliados são aqueles que envolvem formação
permanente na própria escola. (GATTI e BARRETO:2009)
Além disso, a análise do conteúdo formal dos materiais é
ainda limitada porque há políticas de alfabetização que conseguem
determinar fortemente os contextos dos encontros de formação e a
apropriação feita pelos professores. É o caso do monitoramento dos
resultados da alfabetização, que vem impactando as redes e fazendo
com que seja considerado ou retomado, no material de formação,
apenas partes que respondam às necessidades do momento da 56
política educacional.
Por outro lado, há políticas públicas de estados e municípios
que se utilizam de propostas privadas de oferta de formação. Há, então,
políticas de formação em concorrência. Uma dimensão fundamental
dos programas desenvolvidos na Rede tem sido a de qualificar a oferta:
professores têm direito a uma formação oferecida por universidades e,
nesse contexto, as escolas e sistemas de ensino passam a se dirigir
a esses centros, ao invés de responderem a ofertas de mercado. No
entanto, é exatamente no plano da formação contínua e no contato
com professores que descobrimos que há propostas concorrentes,
de iniciativa privada, ao mesmo tempo em que são ofertados cursos
da rede nacional. Identificamos, por exemplo, nas ações do Proletramento
em MG e no Ceará, a existência de empresas que operam
no campo educacional, que conseguem chegar a vários municípios
brasileiros com promessa de resolução rápida dos problemas.
Na escolha entre uma formação da rede nacional e outra
paralela adotada no Município, os professores não têm muita opção:
geralmente as propostas implementadas pela iniciativa privada
articulam materiais pedagógicos, formação e mesmo monitoramento
da avaliação, gerando efeitos na política do município que repercutem
fortemente na gestão das escolas e nas salas de aula.
Mas um dos efeitos dessa oferta têm sido as críticas recorrentes
feitas pelos professores integrantes dos grupos de formação, que
argumentam sobre a incompatibilidade conceitual e política entre as
propostas ofertadas pelo MEC/Universidades e as outras, o que nos
leva a constatar que os professores brasileiros estão preparados para
fazer sérias críticas. Essa é uma boa questão de pesquisa: com tanta
oferta de formação, o que diferencia as propostas de cunho mais oficial
das outras? Quais são as estratégias e as argumentações utilizadas
pelos grupos de iniciativa privada aos secretários de educação? Quais
os recursos e as rubricas utilizadas pelos municípios para financiar
essas intervenções? Que estratégias os professores utilizam para
administrar projetos concorrentes?
Considerações finais
Nas últimas décadas, temos acompanhado uma série de
iniciativas dos profissionais de educação em relação ao direito à
formação contínua: formação de grupos nas escolas, intercâmbio
entre escolas de uma região, criação de centros municipais e estaduais
de capacitação e várias ações de pesquisa e ação educacional de
universidades brasileiras. Nessas várias modalidades, constatamos
que os protagonistas são professores, coordenadores, gestores dos
sistemas de ensino e que cada estratégia e âmbito de atuação têm
funções diferenciadas numa rede ampla de iniciativas, mas todas
têm um ponto em comum: repercutir no cotidiano da escola e nos
resultados da educação.
Podemos dizer que houve avanços nos últimos anos, mas
a formação contínua será sempre um desafio. As apropriações da
formação pelos professores podem nos ajudar a formular novas
temáticas de pesquisa e a repensar estratégias de formação. Os novos
paradigmas e as ações educacionais não promovem mudanças a curto
prazo: os conceitos e as alternativas precisam ser experimentados, às
vezes descartados, e é também o professor que oferece o contraponto
e o complemento aos nossos ideais de inovação e às políticas públicas
educacionais. Retomemos, então, a questão das temporalidades e das
lógicas distintas que as regulam (HÉBRARD:2000). Nesse sentido há
tempos para a produção de materiais, para a apropriação de conceitos;
tempos para descobrir estratégias de aplicação e, tempos para ouvir
os professores e revitalizar nossas estratégias. Há, enfim, questões
que não dependem apenas de um modelo de formação ou de um
conteúdo aplicado em um contexto de formação.
Não podemos esquecer que há diferentes forças em jogo nos
processos de apropriação da formação, implicadas nos interesses
das secretarias, do MEC e estabelecidas nas relações entre as
próprias políticas educacionais. Com a criação do Sistema Nacional
de Formação Continuada, podemos dizer que nunca houve tanta
intensificação da oferta de cursos. Em que pesem as críticas quanto
às modalidades de formação e à complexidade de ações envolvidas
58
e do alcance de cada uma delas, seria arriscado eleger um modelo
de formação. Os professores teriam o direito, então, de ter acesso a
várias estratégias: cada uma com seus alcances e limites.
Sobre a área temática trabalhada, a alfabetização, convém
destacar que é um campo muito demandado como conteúdo
de formação contínua. Nele também encontramos as principais
alternativas de formação buscadas para resolução dos problemas,
com ricas experiências de formação alternativa nas escolas e com
políticas de formação específicas para esse fim, implementadas
nacionalmente. Parte desse movimento decorre das próprias
questões históricas relativas à difusão da cultura escrita no Brasil, dos
resultados insuficientes nos índices de alfabetização e letramento,
das disputas acirradas em torno da melhor forma de conduzir o
processo pedagógico, da multiplicidade de pesquisas e dos impactos
que os novos paradigmas exercem nos professores e em nós, frente
aos quais sempre nutrimos novas esperanças de resolução de
problemas. A partir desse conjunto de expectativas, muitos equívocos
são produzidos.Talvez o maior deles seja o de esperar que apenas
estratégias pedagógicas resolvam questões que são, antes de tudo,
políticas, sociais e culturais, o queà dificulta a avaliação dos impactos
da formação continuada de professores alfabetizadores nos resultados
da alfabetização.
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